Essa fonte de luz e de energia iluminou a cidade de São Paulo até 1937. Gente como a poeta Zica Bergami traduziu em versos a saudade de uma certa “luzinha verde azulada”, que iluminava sua mocidade nos anos 1910. A energia era produto da queima de carvão mineral. Para iluminar São Paulo, bastavam pouco menos de dois mil postes, que substituíram as lamparinas de azeite do século XIX.
A música eternizada na voz de Inezita Barroso lembra “do bonde aberto, do carvoeiro e do vassoureiro, com seu pregão”. Veículos e pessoas que desapareceram há décadas. Um mundo, com outro compasso, outra energia.
Afinal, quando os lampiões de gás deixaram a maior metrópole brasileira, éramos menos de quarenta milhões. Um país exótico, uma promessa…. O mundo não era tão diferente. Menos de dois bilhões de habitantes viviam a expectativa da segunda grande guerra, quando o bem e o mal ainda escolhiam lados.
Neste ano, seremos sete bilhões no planeta. Isso mesmo! A humanidade atingirá essa marca. Sete bilhões de bocas para comer, catorze bilhões de pulmões para respirar e, para cada pessoa, um conjunto de dezenas de objetos que só funcionam às custas de um conceito, algo invisível, que nos cerca, que não pede licença e, principalmente, que não pode acabar… a energia!
Televisores, geladeiras, microondas, DVDs, computadores, celulares, iPods (fones, pads e outras palavrinhas encantadoras inventadas por Steve Jobs), máquinas de lavar, secar, passar e até carros…. Tudo, em algum momento, frequenta uma tomada que recebe a vibração invisível que alimenta o mundo. Nada, rigorosamente nada disso, fazia parte da poesia e da juventude da nostálgica Zica.
Quando tudo se apagava, ela fechava a janela e dormia, aguardando o sol que até hoje brilha, inequivocamente, toda manhã. Nós nos desesperamos com o apagão ou, simplesmente, com o risco de escassez que aponta. Trocamos poesia por eletricidade. Agora, pagamos o preço.
A demanda projetada de energia no mundo aumentará 1,7% ao ano, até 2030, quando alcançará 15,3 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP) anuais, de acordo com o cenário-base traçado pelo Instituto Internacional de Economia (Mussa).
A matriz energética mundial tem participação total de 80% de fontes de carbono fóssil, sendo 36% de petróleo, 23% de carvão e 21% de gás natural. O Brasil se destaca entre as economias industrializadas pela elevada participação das fontes renováveis em sua matriz energética.
Isso se explica por alguns privilégios da natureza – como a existência, em seu território, de uma bacia hidrográfica, fundamental à produção de eletricidade (14%) – e pelo fato de ser o maior país tropical do mundo, um diferencial positivo para a produção de energia de biomassa (23%).
Zica Bergami não sabia disso; apenas rimava sua saudade com graça e delicadeza. Rimas bem mais ricas que apagão e geração, por exemplo. Isso mesmo: agora não adianta produzir, também é preciso distribuir a tal energia. Aí mora o problema. A população galopa enquanto a energia engatinha. A solução rima com poesia. A palavra é economia.
No mundo de dona Zica, os recursos estavam todos ali, ao alcance de um lampião. Aos poucos, nosso mundo ganhará novos lampiões. Limpos, sem fumaça e fuligem. O nome é pouco poético: Light Emitting Diode, ou apenas LED.
Essa é a sigla que, silenciosamente, ocupa os espaços das necessidades que o homem contemporâneo construiu para iluminar a própria vida.
Esse tipo de iluminação é o terceiro estágio na evolução da lâmpada elétrica. O primeiro foi representado pela incandescente, que substituiu os lampiões, para a tristeza de dona Zica. A segunda fase, com o uso das lâmpadas fluorescentes (que geram luz a partir de uma mistura de gases), representou economia, mas não conseguiu substituir sua antecessora em todas as aplicações.
A tecnologia do LED é bem diferente. A lâmpada é fabricada com material semicondutor semelhante ao usado nos chips de computador. Quando percorrido por uma corrente elétrica, emite luz. Enquanto uma lâmpada comum tem vida útil de mil horas e uma fluorescente, de dez mil, a LED rende entre vinte e cem mil horas de uso ininterrupto.
Nossos lampiões modernos funcionarão assim: dez anos sem parar, sem apagar. “Queremos preparar as pessoas para esse novo momento, promovendo uma migração tecnológica com critério e informação”, afirma Mônica Ferro, à frente da , empresa brasileira na vanguarda dos projetos de iluminação no país.
Segundo Mônica, viveremos algo parecido com o que foi a chegada dos microcomputadores ou telefones celulares. Um caminho sem volta e uma tecnologia que começa com custos mais altos e, aos poucos, toma conta do cotidiano.
Se todos nós conseguirmos apagar as luzes e dormir tranquilos, como a poeta que se ressentia do velho lampião, talvez, em um futuro próximo, consigamos novamente produzir versos e cantar nossa saudade.
Saudades de telefones pretos e geladeiras brancas; de caminhar com calma; de namorar no portão; da matraca que anunciava o quebra-queixo; da buzina do algodão doce; de ouvir “muito obrigado”, “por favor” e “com licença”; de um tempo mais doce; de um compasso mais lento… de mais poesia e outra energia…
Lampião de gás, lampião de gás: que saudade que você me traz
por Ronald Sclavi