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#14BelezaArteArtes Visuais

Abjeto

por Marina Lima

Lembro até hoje o dia em que fui ao Rio entrevistar Eduardo Berliner, anos atrás. Era uma manhã de sol, mas a noite anterior vira uma tempestade varrer o bairro de Botafogo, revirando vasos de plantas na calçada e deixando folhas e galhos aplastados contra o asfalto das ruas. Subindo a escada estreita que leva ao ateliê do artista, atulhado de objetos de todo tipo, dei de cara com um dos quadros que ele finalizava então, uma estranha composição que tinha como objeto central uma pilha disforme de areia e garotos mascarados brincando ao redor dela.

Berliner me contou que batera uma foto de uma cena parecida com aquela em frente ao ateliê, quando reformavam uma casa vizinha. Era um estado intermediário dos trabalhos, a casa toda aberta, materiais de construção cavucando as paredes no meio de uma enorme bagunça. Ele disse que era aquilo que atraía seu olhar, essas cenas prosaicas, desprovidas de qualquer grau de interesse ou beleza no sentido convencional da palavra. Todas, no entanto, com o potencial de se tornarem estranhas o suficiente para fisgar e segurar o olhar.

Desde que a arte não precisa mais arrebatar pelo registro de algo belo, tenho a sensação de que artistas já não se esforçam para impressionar pela beleza ou provocar certa estupefação em quem olha para suas imagens. No que se define como a estética do feio, ou talvez do estranhamento, a ordem primordial parece ser a de desfazer certezas e causar um ruído. Ruído no sentido de forçar uma pausa na avalanche de imagens que inundam cada segundo da vida na era digital.

Numa das últimas edições da Bienal de Veneza, lembro como o público passava reto e sem dar muita atenção às obras de beleza indiscutível, como as composições barrocas de Tintoretto, mas se detinha minutos, até horas, diante das atrocidades documentadas pelo artista suíço Thomas Hirschhorn no pavilhão de seu país. Eram fraturas expostas, pele dilacerada, membros decepados, sangue por toda parte em cenários de guerra. Mas aquilo comandava o olhar.

Da mesma forma que Paul McCarthy e seus grotescos rituais de pegada escatológica não deixam de fascinar até hoje quem vê seus filmes. Ou o nojo transmutado em desejo que domina o trabalho de uma artista como Sarah Lucas, que subverte o erotismo ao ponto em que se torna desagradável pensar em sexo. Lucas, McCarthy, Hirschhorn, para não citar Paulo Bruscky, Artur Barrio, Ryan Trecartin, Nan Goldin e tantos outros, estão juntos na base de uma estética do abjeto. Quando o corpo se torna vetor de repulsa, ele parece se revestir de uma aura mais magnética do que a beleza apolínea da arte clássica.

Talvez um embrião desse culto ao grotesco esteja nas representações da morte do romantismo francês. Uma das telas mais fortes de Théodore Géricault, A Balsa da Medusa, tem no canto esquerdo inferior o cadáver de um belo rapaz. Relatos da época atestavam que os náufragos da embarcação comeram os corpos dos mortos para sobreviver. Esse garoto, de uma beleza frágil, está ali na função dupla de objeto sexual – é o único a ter o sexo exposto – e de banquete para os famintos, sua carne fraca entrando em decomposição. É o dado mais escandaloso da pintura e ao mesmo tempo o mais memorável, colocando a repulsa como a maior força da atração.

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