#14BelezaCidades

Marca Beleza

por Saul Taylor

Ninguém sabe sua origem – foi, provavelmente, cunhado por um dos muitos franceses que largaram o bleu-blanc-rouge e vieram morar aqui, na terrinha brasileira –, mas o ditado “Se Paris é a cidade mais bela construída pelos homens, o Rio de Janeiro é a mais linda por Deus” diz muito a um imigrante como eu. Lembro bem do dia em que me convidaram a mudar para o Rio. Foi em 18 de outubro de 2010, três dias depois de meus amigos André, William, Lulu e Tina me levarem à estreia londrina do filme Wasteland, o documentário de Vik Muniz sobre os lixões.

“O que você acha de vir morar no Rio para nos ajudar a mudar a imagem internacional da nossa cidade?” – perguntaram-me. Sem titubear, arrumei as malas em Londres e desempacotei tudo no Arpoador. Os meus amigos londrinos brincavam que eu era o gringo mais sortudo do mundo – afinal, é fácil demais “vender” o paraíso. Eu já conhecia bem o Rio, mas logo descobri que a cidade exige uma reviravolta das noções tradicionais de beleza. Tendo trabalhado em agências de publicidade e em editoras a vida toda, pensava – com certa arrogância – saber o que era belo. Mas estava errado.

O Rio de Janeiro é lindo. Sua beleza chega a intimidar, e é ubíqua, tão ubíqua, de fato, que a palavra beleza se tornou parte da conversa do dia a dia. E aí, tudo bem? Beleza! Nos vemos na praia? Beleza! Garçom, já pedi aquela bebida cinco vezes e até agora não veio; então, vou embora e nunca mais volto aqui! Beleza! Os cariocas se apropriaram da beleza, e aplicam essa “marca” a todos os aspectos da vida.

Em termos de beleza natural, a cidade é um dez perfeito. Existe, porém, uma percepção errônea de que os cariocas são o povo mais bonito do mundo. Turistas que visitam o Rio pela primeira vez se sentem decepcionados com os manequins 42 flácidos e as barrigas 46 caídas à mostra na areia. O Rio é, na verdade, uma massa carnuda de silhuetas e estaturas, um enorme anfiteatro ensaiando todo o drama – a comédia e a tragédia – do corpo humano. Mas quem mergulhar de cabeça nisso logo descobrirá que a beleza carioca vai muito além de tendões ou celulite. Os cariocas têm uma gentileza cintilante, uma aura de calor humano que irradia do coletivo e alegra os dias maravilhosos – mais uma manifestação daquela “marca”, a Beleza.

Depois de três anos no Rio, o que mais me surpreende é que, apesar de passar todos os meus dias cercado desta beleza natural atemorizante, não fiquei indiferente a ela. Pelo contrário, hoje estou mais ciente dela do que logo que cheguei. A beleza é subjetiva, é claro, mas mergulhar diariamente em uma beleza universal limpou meu monitor visual. Há pouco, desembrulhei meus pincéis e comecei a pintar pela primeira vez desde a escola de artes. Descobri que é difícil evitar os clichês quando a paisagem se sente tão à vontade com a própria beleza. E o mesmo se aplica à própria cidade – “vender” o paraíso é mais difícil do que se imagina. Afinal, a beleza cansa, uma ideia muito bem colocada pelo ditado carioca “Quando Deus criou a Terra, passou o sétimo dia descansando em Ipanema”. Praia a qual irei assim que terminar essa história. Beleza?