#19UnidadeCulturaLiteratura

A solidão do todo

por Léo Coutinho

Através da história, a humanidade deu nomes diferentes às formas de governo, mas, em que pese a importância dos detalhes, elas foram basicamente duas: democracia, onde o poder é dividido por todos, e autocracia, em que é concentrado.

Para saber que o exercício do poder dividido dá muito mais trabalho ninguém precisa ir longe, basta sair com amigos para uma pizza. Sendo a variedade de possibilidades proporcional à de gostos pessoais, a escolha sempre gera algum debate, mesmo contando com a anuência dos que escolhem não escolher.

A alternativa do poder concentrado sem dúvida é mais rápida. Sozinho, o sujeito pede a sua preferida e o assunto está encerrado. Os demais costumam aceitar passivamente se estiverem com fome, com algum interesse além da pizza ou se simplesmente ignorarem as outras possibilidades. Salvo essas circunstâncias, vão querer participar da escolha.

Esta é a natureza humana. Embora seja melhor comer em grupo do que sozinho, cada um tem seu gosto particular e quer ser atendido. Quando o grupo é grande a ponto de ficar impraticável ouvir os pedidos individuais, naturalmente a decisão é conduzida por um líder, que nem sempre é quem entende mais de pizza. Este pode até exercer alguma influência sobre os demais, mas o líder será aquele que entender melhor a turma e tiver habilidade para conciliar seus gostos na medida do possível.

Havendo condições para muitas pizzas, o trabalho do líder será relativamente fácil. Para manter o grupo em harmonia, basta-lhe conseguir atender à maioria sem criar uma conta alta demais. Alguns vão pedir mais por mais calabresa, massa mais fina, mais grossa, sem cebola. Outros vão falar da lenha, das condições de trabalho do garçom, da justiça que seria cobrar menos de quem não bebe. Mas, entre idas e vindas, ele continuará pertencendo ao todo, ainda que, no ato de juntar as pessoas, fazer o pedido e acertar a despesa, esteja sozinho.

O problema é quando, por um ou outro motivo, falta pizza. Nesse momento todos reclamam, com ou sem razão. Surge, em cada indivíduo, a vontade de salvar a sua parte. É o instinto de sobrevivência. Tudo parece urgente, o consenso demorado demais, e o grupo se dispersa. Cada um por si. Então o líder não será mais parte do todo – porque o todo já não existe.

A solidão do líder é a nossa solidão. A decisão dele, a nossa decisão. Nascemos e morremos sozinhos, mas, para viver, precisamos do todo, e o todo precisa de um líder, que é cada um de nós.