Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
#18RomanceArteArtes Visuais

Tarsila romântica em duas mãos

Há tempos eu não acordava com a sensação que tive hoje pela manhã ao abrir os olhos. Adormeci na casa de meus pais, onde já não moro há mais de 15 anos, e ali, entre palpitações e calafrios, passei a infindável madrugada. Ao despertar de uma noite mal dormida e angustiada, em virtude da quebra da bolsa de Nova York, fui tomada por um sentimento estranho e de total alienação. De olhos bem abertos (junto ao nascer do sol nas montanhas do sul), porém como se ainda estivesse vagando pelo universo onírico – era como se não pertencesse, ali, àquele momento.

Gradualmente, com a retomada da consciência, fui me dando conta de que todo aquele estranhamento nada tinha a ver com a casa da fazenda colonial dos meus pais – aquele lustre de bronze velho, a sanca do quarto que um dia foi representativo de status ou as paredes de taipa cobertas por papel de parede francês amarelado e esgotado pelo tempo, e, ao olhar pela janela, o mato que crescia e devorava terras outrora férteis e produtivas. Ainda assim, minha alienação era de outra ordem, muito mais profunda do que a estrutura material que me acolhia. A minha sensação de deslocamento era consequência concreta do fim de uma relação que até então vinha nutrindo com o meu país. Veio então a realização de que eu e o Brasil enfrentávamos uma crise de relacionamento. Eu já não mais me sentia representada por ele, e ele, muito provavelmente não identificado em mim. O romance havia chegado ao fim…

Não tinha sido o melhor dos romances. Nasci, cresci e fui educada com uma noção clara de estar na periferia do mundo, longe do progresso, da sofisticação, do pensamento real. Era preciso atravessar o oceano, voltar à Europa para buscar lá umas raízes que aqui não vingariam, por mais fértil que seja esse solo. Paris era uma festa. Mas foi lá, enquanto eu e o Oswald mostrávamos como fazer caipirinha e tentávamos adaptar a receita da feijoada aos ingredientes franceses, que me dei conta de estar perdendo algo que só poderia mesmo existir aqui. Tinha vontade de algo além dos volumes coloridos que aprendi a pintar com o Léger. Era preciso mais cor, mais volume e um certo calor que a Europa nunca teve.

Quando voltei para o Brasil, comecei a me lembrar da infância, dos negros na fazenda, das criancinhas mulatas. Tudo tinha outro gosto. Estava seduzida, intoxicada, talvez até mesmo apaixonada. Fui para o Rio no carnaval, levei o Blaise Cendrars para conhecer as cidades históricas de Minas Gerais. Descobri que as cores de Paris, por mais inebriante que lá pudesse ser a vida, eram um tanto esmaecidas. Pau Brasil. Foi aí que eu entendi o que tanto faltava nos meus quadros, uma herança tropical que não pode ser negada. Mas também tenho minhas dúvidas se não forcei a mão, se isso tudo não era um exotismo fingido, se eu não era a caipira que negou a raça por um prisma parisiense quando tudo ainda era rude e tosco, irremediável. Estava instaurada uma crise tão aguda quanto o desbunde das cores da minha paleta.

Assim passa o meu tempo, entre dias adormecidos e noites em claro – na eterna e inebriante dúvida entre lá e cá. Meus sonhos e fantasias antropofágicas desejam o estrangeiro, para que dele eu absorva novas influências e cresça mais forte. Mas, em seguida, meus ideais tão completamente enraizados em terras do Brasil profundo me jogam de volta para cá, para além dos mares e oceanos gélidos da Europa, novamente retorno em busca da minha identidade tropical.

Nem aqui nem ali – pois não mais me encontro entre o novo e o velho. O que me chama é a possibilidade de um novo romance. União Soviética, é pra lá que eu vou.

Gostou do artigo? Compre a revista impressa

Comprar revista

Assine: IMPRESSO + DIGITAL

São 04 edições impressas por ano, além de ter acesso exclusivo ao conteúdo digital do nosso site.

Assine a revista
Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Fêmea

#7 O que é para sempre? Arte

por Monica Rizzoli Conteúdo exclusivo para assinantes

Itcoisa: chá da obatian

#44 O que me falta Cultura

por Raphael Nasralla

Encontro de águas

#42 Água Cultura

por Bianca Ramoneda

Uma festa de muitos Brasis

Cultura

por Revista Amarello

Antonio Candido e a literatura como espelho do Brasil

Cultura

por Revista Amarello

Eterno transe

#5 Transe Cultura

por Leticia Lima Conteúdo exclusivo para assinantes

Amarello Mesa em Brasileiro

Design

por Revista Amarello

Mártir sem direito a escolha

Cultura

Nume

#17 Fé Arte

Sobre a capa

#35 Presente Artigo

por Marcelo Amorim

Amyr Klink: “Eu venho da África”

#32 Travessia Cultura

por Amyr Klink

Warazu: a visão do branco

#51 O Homem: Amarello 15 anos Cultura

por Kaká Werá Conteúdo exclusivo para assinantes

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.