#35PresenteArtigo

Sobre a capa

por Marcelo Amorim

Marcelo Amorim assina a capa
da edição Amarello Presente

Em janeiro de 2020, antes mesmo que a pandemia fosse anunciada, eu já estava exausto. Para mim, o começo dessas trevas que nos colocaram se demarcou anos atrás, com a perseguição aos artistas. 

Eu tenho a convicção de que as fábricas de notícias falsas usaram as artes visuais como seu laboratório, como primeiro alvo. Acredito que escolheram as artes visuais porque são um território de necessária liberdade para a experimentação. Pelo que me recordo, um dos primeiros ataques aconteceu ao MAM, em São Paulo, e eu me lembro de ficar surpreso com a a maneira como vídeos, memes, textos eram produzidos com agilidade e certo grau de sofisticação. Parecia ser – e hoje sabemos que era – algo orquestrado. Havia todo um maquinário atacando continuamente e criando nas artes visuais um inimigo imaginário para a população.

Foi, portanto, em um museu de arte que as notícias falsas começaram a ser espalhadas, que se instaurou como prática comum o assassinato de reputações, e foi dali que se espalhou como um vírus a imensa cegueira que levou boa parte do país a tomar a decisão de colocar no poder as piores pessoas, com as piores intenções. Como na fábula de Esopo, as rãs escolheram como rei um pássaro que por fim as engoliu. 

Estamos agora dentro de uma névoa cerrada e não enxergamos um palmo diante dos olhos. Na tentativa de dar um próximo passo, decidi me voltar às coisas mais fundamentais. Ao começo. Se, como artista, eu comecei fazendo autorretratos, pintando a óleo, foi nisso que eu me agarrei. Resolvi fazer uma série de retratos. A arte em seu gênero e linguagem mais tradicional – e como assunto, os artistas.

Para mim, o mais importante desse processo é que essas pessoas foram postas juntas, ainda que metaforicamente, ainda que apenas diante dos meus olhos ou penduradas na parede do meu ateliê, pois, como diz o ditado irlandês: é no abrigo uns dos outros que as pessoas vivem.