John Stuart Mill – provavelmente o filósofo mais influente na Inglaterra do século XIX – começou a aprender grego aos três anos. Antes dos oito, leu Heródoto, Xenofonte, Isócrates e vários diálogos de Platão no idioma original. Aos oito, começou a estudar latim e, com doze, já lera as Metamorfoses de Ovídeo, várias Orações de Cícero e a Eneida de Virgílio – além de continuar suas leituras em grego, que incluíam Homero, Aristóteles, Tucídides, Demóstenes, Políbio. Nessa idade, já tinha noções de ciência, matemática, política econômica e também familiaridade com os principais clássicos ingleses de literatura e de história. Seu professor foi seu pai.
Diariamente, dos quatro aos sete anos, John caminhava com o pai antes do café da manhã e repassava com ele as suas notas de leitura do dia anterior. Nessas caminhadas, seu pai, James – autor de uma enorme história da Índia e filósofo utilitarista –, aproveitava para fazer pequenos discursos sobre “civilização, governo, moral, cultivo intelectual”, que pedia para John repetir em seguida, com as suas próprias palavras. A primeira operação intelectual que o pai lhe ensinou foi como dissecar um argumento falso; muito cedo, também, ele aprendeu a importância de se expressar com palavras precisas. Além de livros de histórica, lógica e dos clássicos da literatura, seu pai gostava de lhe passar também livros sobre homens corajosos superando circunstancias difíceis: como African Memoranda, de Philip Beaver, e o depoimento de David Collins sobre o primeiro assentamento em New South Wales.
Na abertura de sua Autobiografia, Stuart Mill aponta que um dos principais motivos de ter escrito a história de sua vida foi contar como uma educação diferente, rigorosa, especialmente na primeira infância – que normalmente, segundo ele, é “desperdiçada” –, pode ser muito útil. E não apenas útil: um dos aspectos mais marcantes do primeiro capítulo de sua autobiografia é, além da quantidade de leituras que fez muito cedo, o prazer com que se dedicava a elas. Por diversão, leu a Ilíada mais de vinte vezes, e sempre folheava a história da Grécia Antiga, de Mittford, nas horas vagas. Quando entrou em Oxford, Stuart Mill se sentia com uma formação 25 anos à frente de seus colegas.
John Stuart Mill aprendeu cedo, em casa, o que Henry Adams (diplomata, jornalista, historiador e romancista americano) recomenda, no meio de sua autobiografia – The Education of Henry Adams –, como a única coisa que realmente importa aprender cedo: como aprender (“they know enough who knows how to learn”). Durante toda a história da humanidade, continua Adams, muita inteligência foi desperdiçada, “e não há duvidas de que o professor é o pior criminoso”. Henry Adams também reconhece que a principal influência em sua primeira educação foi a de seu pai – que, no máximo, corrigiu seu sotaque em francês e que, de resto, o deixou passar a infância brincando. Em várias passagens de seu livro, Adams insiste que educação é coisa séria, que não é igual a divertimento. Mas é curioso como – insistindo tanto que as duas coisas são diferentes, assim como Stuart Mill, relembrando as suas primeiras leituras – muitas vezes repete que se divertiu.
Harvard “o ensinou pouco, e esse pouco mal, mas deixou a sua mente aberta, livre de vieses, ignorante sobre fatos, mas dócil”. (O seu livro é curiosamente escrito na terceira pessoa.) Em Berlim, ouviu muita música ruim, bebeu cerveja, fumou charutos, viu mulheres gordas alemãs tricotarem, mas fez isso “só pela companhia, sem pretensão de se divertir” – como se o fato de estar com pessoas agradáveis não fosse em si mesmo divertido.
Em Roma, onde passou seis meses com a expectativa de se “civilizar”, Adams se encantou com a cidade ainda medieval que existia, sem restauros, mas, ao fazer o balanço do capítulo dedicado à cidade, conclui que, com relação à educação, “ele não recebeu nenhuma, mas se divertiu”. Quando, aos sessenta anos, pondera sobre a responsabilidade que a idade exige, parece resumir o que pensa acerca da relação entre educação e diversão: “um mundo que não pode educar não pode divertir, e além de tudo é feio”.
Na segunda página de Minha formação, Joaquim Nabuco reconhece também a importância paterna em sua educação: “era natural que, aos quinze ou dezesseis anos, seguisse a politica do meu pai, porque essa devoção era acompanhada de um certo prazer, de uma satisfação de orgulho”. Ao mesmo tempo, suas ideias eram “uma mistura e uma confusão. Ávido de impressões novas, fazendo os meus primeiros conhecimentos com os grandes autores, com os livros de prestígio, com as ideias livres, tudo o que era brilhante, original, harmonioso, me seduzia e arrebatava por igual”. Seu livro é uma coleção dessas impressões: dos livros que leu, das viagens à Inglaterra, aos Estados Unidos, de seus principais interlocutores intelectuais, de sua infância entre escravos no engenho da sua madrinha – a experiência, descrita no capítulo mais famoso do livro, Massangana, que o inspiraria a dedicar a sua vida política à abolição.
O livro de Joaquim Nabuco é maravilhosamente bem escrito e infelizmente está esquecido pelas nossas melhores escolas. Henry Adams, aliás, entenderia o motivo: “Harvard era uma boa escola, mas, no final, do que o garoto não gostava mesmo era de escola em qualquer sentido”. Assim como o pai de John Stuart Mill, que preferiu confiar na sua biblioteca pessoal e na sua capacidade de conversar para apresentar o mundo ao seu filho. Talvez, aliás, o que se pode aprender dessas três autobiografias – de homens que passaram a vida empenhados em se educar – seja justamente isto: que as lições mais importantes não são ensinadas na escola.