Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
#23EducaçãoCulturaSociedade

Dos filhos deste solo, és mãe gentil?

por Flavia Milioni

Pátria s.f.: país em que se nasceu, e ao qual se pertence como cidadão.
País s.m: 1 – Região, terra. 2 – Território habitado por um grande conjunto de famílias, que constituem determinada nação.

Nação s.f.: 1 – Conjunto de indivíduos que habitam o mesmo território, falam a mesma língua, têm os mesmos costumes e obedecem à mesma lei. 2 – Sociedade politicamente organizada que adquiriu consciência de sua própria unidade e controla, soberanamente, um território próprio.

São os brasileiros que fazem o Brasil, e não apenas os mais de 8 milhões de quilômetros quadrados muito mal distribuídos. Aliás, se sua terra fosse melhor distribuída – melhor entende-se por mais justa –, os brasileiros não seriam quem são e, portanto, o Brasil não seria o que é. O que esperar de um país quando ele próprio, na figura de seu cidadão, não cuida de si mesmo? Como uma pessoa que negligencia sua própria saúde pode lamentar a doença?

Em 2007, o senador Cristovam Buarque*, então filiado ao PDT, apresentou um projeto de lei que poderia ser a força motriz de uma grande guinada na educação pública do país e, por consequência, base para a maior das revoluções: a política.

O projeto determinava a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas. A matéria nunca foi votada porque foi arquivada antes mesmo de chegar ao plenário. O senador ouviu inúmeras críticas de seus colegas, em grande parte dizendo que seu projeto era inconstitucional, pois feriria o livre-arbítrio. A resposta de Buarque é tão oportuna quanto sua proposta de lei: ninguém é obrigado a ser candidato.

Ser ou não ser, eis a questão.

Política vem de polis: cidade em grego; e de polites: cidadão, no mesmo idioma. Não por acaso, a democracia (demo = povo; cracia = poder) teve origem na Grécia. E funcionava mais ou menos assim: a cada ano, quinhentos cidadãos eram sorteados para compor o Conselho, onde se decidiam, em assembleias abertas à audiência dos demais cidadãos, todos os assuntos relacionados à polis. Eram todos políticos, quer queira quer não. Não havia escolha. Também não havia eleição, candidato, partido político, e muito menos a desculpa de não gostar de política. Vive em sociedade? É político. Portanto, político não era profissão, era obrigação. De todos. A qualquer momento, o sorteado poderia ser você. E detalhe: nenhum cidadão poderia ser sorteado mais de duas vezes no período de uma vida inteira.

Com a deturpação do sistema democrático, ou, como alguns diriam, com a adaptação do sistema, da democracia direta para a representativa, a sociedade só perdeu. Quem ganhou foram os que fizeram carreira nesta que é das profissões mais infames já inventadas.

E a representatividade? A sociedade brasileira é composta por 53% de negros, e o Congresso não tem nem 20%; 51% da população brasileira são mulheres, e no Parlamento tem apenas 10%; 37% da população possui ensino superior, e no Congresso são 80%; 60% do povo brasileiro ganha até dois salários mínimos (isto é, até R$ 1.760,00), e 50% do Parlamento – metade de seus eleitos – têm patrimônio acima de R$ 1 milhão. O Congresso tem 153 deputados integrantes da bancada ruralista, sendo o Brasil o país com uma das mais dramáticas concentrações de terra do planeta. Representa?

Quando Cristovam Buarque responde, em tom irônico, para não dizer lacônico, que ninguém é obrigado a se candidatar, traz à tona a grande fissura de nossa democracia representativa. Trocando em miúdos, a pessoa que, deliberadamente, escolhe se candidatar deveria ter consciência de que seu trabalho será para o coletivo e que, se for eleito, terá de seguir algumas regras. Existe um rol de atribuições para cada função pública, e ter seus filhos e demais dependentes matriculados em escola pública seria apenas mais uma delas. Se o emprego diz respeito à máquina púbica e se o salário vem da mesma máquina pública, por que a relutância em usar uma instituição de ensino pública? É óbvio que a resposta que não se quer dar é: porque o ensino público é ruim. E não se quer dar porque, se assim o fizer, estará com isso atestando que o próprio trabalho, e de seus colegas, não é bem feito.

E por que o trabalho não está sendo bem feito? Porque os agentes políticos eleitos no Brasil representam, em sua imensa maioria, a classe média alta e os empresários. Porque política virou profissão, invertendo a prioridade: o eleito trabalha para si e seus pares, não para o país.

O ponto crucial do projeto de lei de Buarque, preciso como um mapa, é que, se o político, e não apenas a população distante de sua classe social, sofresse as consequências de seu próprio trabalho, certamente cuidaria para que este fosse o melhor possível. E, para ser justo até com a classe política, o senador estabelecia uma vacatio legis (período entre a publicação da lei e sua entrada em vigor) bem generosa. Ou seja, os municípios, estados e união teriam alguns anos para deixar as escolas públicas com melhores equipamentos, professores bem remunerados e gabaritados, material escolar de referência, currículo tal qual o melhor colégio particular, carga horária adequada e merenda saudável, entre outras coisas, tudo em perfeito estado para receber as crianças. E o motivo para fazerem isso é triste e simples. É porque suas crianças estariam entre elas.

O pensamento político mais corrente no Brasil é: se eu não sou afetado diretamente por um problema, ele não é meu. Ledo engano. As rachaduras no ensino público, que tiveram início com a migração em massa das classes média e alta para o ensino particular, nas décadas de 1960 e 1970 principalmente, trazem consequências para todos. A falta de educação, ou uma educação precária, para os mais pobres pode até parecer interessante para uma elite que quer se manter no poder indefinidamente; mas ela sabe, porque teve boa educação, que toda ação corresponde a uma reação. E a reação de uma camada enorme da população, excluída, marginalizada, sem estudo apropriado, sem qualquer preparação para a vida civilizada, depois de um curto prazo de obediência e subserviência, é a revolta, a violência e o caos. Curioso pensar nos altos índices de violência atuais e observar o início do sucateamento das escolas há quarenta anos. A quantidade de meninos de rua, abandonados à própria sorte, na década de 1980, e o crescimento do tráfico de drogas, nos anos 2000. Pensar nos menores infratores de hoje é prever uma guerra civil em, talvez, uma década? Um país não é desenvolvido e possui excelentes índices sociais do nada. São anos, décadas de investimento em programas sociais de base. E o Brasil só vai ser o país que queremos quando a elite brasileira se apropriar e se responsabilizar por uma de suas piores mazelas.

Certa vez, durante um debate promovido por uma universidade americana em 2000, o mesmo senador Cristovam Buarque foi questionado sobre o que achava da internacionalização da Amazônia, e o jovem que perguntava pediu para que ele respondesse como humanista e não como brasileiro. Claro que a questão trazia em si uma preocupação com o futuro da floresta, por conta de sua enorme relevância ambiental para todo o planeta. A resposta de Buarque é uma aula, especialmente no que se refere às crianças:

“Comecemos usando essa dívida [os candidatos à presidência dos EUA naquele ano defendiam a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca do perdão da dívida externa] para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.”

À elite brasileira, esta que detém o poder político e econômico, cabe o maior desafio. Cuidar de todas as crianças como se fossem suas. A única saída para um país mais justo a longo, é levar sua criança bem nascida para dentro da realidade das crianças mais pobres, para que elas tenham o mesmo tratamento, o mesmo ponto de partida. Ou vice-versa. Temos que começar a nivelar por algum lugar. A escolha está entre nivelar por baixo ou por cima. As duas opções estão na mesa.

Uma mãe não pode privilegiar um filho em detrimento de outro. Nem a pátria.

*Nota de esclarecimento: a autora não faz campanha para o senador citado no texto.

Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

Fofocas

#8 Amor Crônica

por Vanessa Agricola

Café, água e bolacha: Marcelo Jeneci

#18 Romance Amarello Visita

por Tomás Biagi Carvalho Conteúdo exclusivo para assinantes

Viver Bem é a Melhor Vingança

Cultura

por Revista Amarello

Um dia de chuva no Sertão

#35 Presente Fotografia

por Zé Manoel Conteúdo exclusivo para assinantes

Domingos

#14 Beleza Arte

por Carlos Andreazza Conteúdo exclusivo para assinantes

On Earth We’re Briefly Gorgeous: Douglas de Souza

#49 Sonho Artes Visuais

por Ulisses Carrilho

Temporada

#24 Pausa Arte

por Bem Gil Conteúdo exclusivo para assinantes

O Relógio

#5 Transe Arte

por Alessandra Modiano Conteúdo exclusivo para assinantes

Yes, nós somos barrocos – Amarello 39

#39 Yes, nós somos barrocos Revista

Janela indiscreta da alma

#20 Desejo Arte

por Carolina Starzynski Conteúdo exclusivo para assinantes

Originalidade da Arte Mineira

#39 Yes, nós somos barrocos Arquitetura

por Lourival Gomes Machado

O único silêncio

#11 Silêncio Cultura

por Eduardo Andrade de Carvalho Conteúdo exclusivo para assinantes

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.