#24PausaDesignEstilo

Enjoy the silence

por Camila Yahn

Quando fui convidada para escrever sobre o tema desta edição, a pausa, percebi logo de cara o desafio que seria. Eu me engano observando e acompanhando pessoas e movimentos que lutam contra essa era do speed, pois o ritmo acelerado está dentro de mim (de nós). Não tem yoga, respiração, meditação, nada que me ajude a desacelerar porque, para começar, não consigo nem criar a disciplina para uma prática constante.

Primeiro, porque o celular virou uma extensão dos meus braços. Segundo, porque trabalho com moda, o mercado que mais abraçou a velocidade como sinônimo de performance e sucesso.

Estamos todos cada vez mais conectados e presos a um ciclo vicioso, que a sociedade atual nos faz acreditar ser o caminho mais curto e certo para a realização. Mas será o melhor?

O mundo está apressado, agitado, frenético. Essa loucura virou o ritmo normal e tem ditado nossos trabalhos, relações, experiências e o convívio com outras pessoas. Na velocidade acelerada, é mais fácil e rápido mostrar superficialmente quem somos, pelas lentes das redes sociais, que são as máscaras do nosso tempo.

Na moda, presenciamos o passo a passo na construção de uma indústria global e ambiciosa, que não poupa o meio ambiente nem as pessoas. Se antes as marcas desfilavam duas vezes ao ano, hoje têm oito apresentações anuais, incluindo aí desfiles de todos os segmentos em que estão presentes, como masculino, alta-costura e as linhas de pré-inverno e pré-verão. Apenas grifes que são verdadeiras corporações (Dior, Chanel, Gucci, Burberry…) conseguem dar conta de tanta eficiência, produção e dinheiro.

Ainda assim, mesmo pessoas preparadas para esse nível de pressão têm feito escolhas que trazem mais tempo, liberdade e espaço, como aconteceu com o belga Raf Simons, que deixou a direção criativa da Dior de surpresa, após três anos na casa. Raf tem uma marca masculina, que desfila na semana de moda de Paris, e com ela pode fazer do seu jeito, no seu tempo.

Dois fenômenos detonaram esse movimento: a formação dos conglomerados de moda e o fast fashion. Daí vem o aumento no consumo, que reflete em mais oferta e mais produção, que resulta em mais vontade de comprar, em um jogo de presa e predador em que consumidor e indústria têm os dois papéis ao mesmo tempo. Precisamos de tanto? Não! Nosso impulso, nossa ansiedade, nossas inseguranças podem ser saciadas de outras maneiras, vivendo uma vida mais real, menos digital, dando atenção ao que é importante de verdade. Entender o que é essencial, mais do que um exercício, é uma escolha.

A moda sempre viveu de novidade. O problema é que as novidades de ontem ficam velhas hoje e você tem que sair em busca das de amanhã. É matar no almoço para comer no jantar. Um ciclo vicioso em que estilistas, empresários, produtores e fornecedores pagam um preço caro para sustentar a demanda por novidades.

Por que a obsessão com velocidade e quantidade? Se a ideia é produzir coisas boas, que tenham vida mais longa, correr não é a melhor forma de fazê-lo. Acelerar não aquieta a mente, só produz barulho e ansiedade.

Para todo grande movimento, há sempre uma oposição. Ela é formada por pessoas que decidiram dar uma pausa. Repensar, refletir, refazer, só que de outro jeito. Cada vez mais, no Brasil e no mundo, aparecem estilistas, designers e iniciativas que trabalham o tempo de outra maneira: a seu favor e não contra. Que atuam de forma horizontal, quebrando normas e hierarquias antigas.

Nesse silêncio, descobrem novos valores e maneiras de ir contra o que está se provando insustentável. Há um novo pensamento na moda, que inclui a otimização de tempo e dinheiro, a criação de algo durável e autêntico, a humanização dos processos e o não desperdício (de tempo, material, trabalho, mão de obra, ansiedade etc.). E isso não quer dizer que a tecnologia não seja aplicada, que o resultado não cause desejo, que a empresa não seja lucrativa e saudável.

Como exemplos, posso citar Paula Raia, Isabela Capeto, À La Garçonne, Flavia Aranha, Fernanda Yamamoto, Ronaldo Fraga, Carol Baum, Comas + Japonique e Helen Rödel. Marcas totalmente diferentes umas das outras, mas que têm em comum esse ideal e vão, bravamente, contra o fast.

A maioria tem uma operação pequena, com apenas uma loja em São Paulo e alguns canais digitais, como online shops próprias ou multimarcas. Como qualquer empresa, seu processo de criação tem uma meta: virar um produto. Mas o durante é tão importante e prazeroso quanto o fim.

Fernanda Yamamoto, Flavia Aranha, Paula Raia e Carol Baum capacitam mulheres de comunidades Brasil afora, ensinando novas técnicas manuais que podem ser aplicadas em suas peças. São muitas idas e vindas até ficar do jeito certo, de experimentos com tingimentos naturais e processos em cima de tecidos à criação de novos pontos de renda.

A Isabela tem uma história conhecida pela forma como faz suas peças, com trabalho manual, arte, beleza e amor. Suas roupas parecem que vêm carregadas de boa energia em cada bordado. Em sua mais recente coleção, ela usou peças já usadas para dar vida a novos vestidos e saias trabalhados a mão. Nada perto do que encontramos na nossa fast mais próxima.

Na À La Garçonne, nova empreitada de Alexandre Herchcovitch com seu parceiro Fábio Souza, encontramos peças que são feitas a partir de outras roupas mais antigas ou com tecidos vintage. Histórias que passaram transformam-se em novas histórias.

O não desperdício também é o foco da Comas + Japonique, que tem como lema a total otimização de tempo, dinheiro, mão de obra e materiais. Já Ronaldo Fraga tem uma estrutura maior, mas há tempo encontrou um ritmo próprio que o permite se aprofundar nas suas ideias e transformá-las não apenas em roupas, mas também em exposições, desenhos, livros e contos.

Um novo tempo, emoções sinceras, inspirações originais, esforço, inteligência, estratégia, sabedoria em técnicas, processos e materiais, trabalho honesto, horizontalidade e respeito nas dinâmicas estão entre os valores dessa proposta.

Em um momento em que mais de 500 milhões de mensagens são compartilhadas por dia no WhatsApp e o avanço da tecnologia tem feito o mundo enfrentar mudanças complexas, a pausa é o nosso calmante, nosso ácido, nossa receita contra o império da ansiedade e da busca por algo que perde a graça assim que encontrado.