#33InfânciaCulturaLiteratura

Infância

por Sofia Nestrovski

Algumas palavras são propriedade da infância: paralelepípedo, inconstitucionalissimamente. Um montão, um tantão, maravilhoso!, e um milhão de milhares. Maravilhão.

A boa educação pertence à infância — andar com um livro em cima da cabeça e a postura ereta. Espichar- se. Os bons modos pertencem à infância — curvar-se diante do espelho e enrubescer. O sonho de um dia dar bom dia aos que passam… crianças são muito sérias; preocupam-se com as coisas. Gostam de Leonardo da Vinci e de Einstein; de palavras com mais de três sílabas (que podem significar qualquer coisa no mundo! Maravilhosas, maravilhosas); gostam de pensar que um dia vão ser gente. Mas mais do que eu e você.

A infância é inimiga da confissão. In-fans, aquele que não fala. Confess-, falar junto, falar para. A raiz dessas duas palavras latinas vem do protoindo-europeu, língua que tem um montão de anos (mais que a nossa vó, mais que a vó da nossa vó, mais que a vó do Einstein), língua que tem tantos anos que talvez nunca nem tenha existido — a raiz dessas palavras no protoindo-europeu é bhā-. Um carneirinho.

Confissão e infância — e a palavra russa Секреt, Sekrét. Ela dá nome ao hábito infantil de criar esconderijos para guardar tesouros pequenos.

Tesouros: as palavras da língua. Segredos: saber caber dentro delas. Tesouros: contar mentiras. Segredos: e nunca revelar nada. Passar correndo por cima do taco solto sobre o buraco na madeira onde se escondem as coisas. Olhar para trás com o canto do olho. E lembrar: tesouro, tesouro! E pensar: um dia, um dia…


Sofia Nestrovski assinou a coluna “Léxico”, do jornal Nexo, de 2017 até o começo de 2019, onde publicou oitenta verbetes sobre palavras e suas origens. É mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo e autora de Viagem em volta de uma ervilha (2019, Veneta, em parceria com Deborah Salles)