Um grupo de jovens pesquisadores se propôs a refletir sobre a alma brasileira
De muitos povos criamos o Brasil, um país miscigenado, pulsante, com sabores, cores e perfumes variados. A miríade de influências torna este um país rico em detalhes. Somos um povo complexo habitando um território exuberante. Nosso gingado não está só no carnaval. A capoeira, que é dança, se fez da luta.
Nossa trajetória nos mostra que em diferentes momentos — sentidos e vivenciados de modos tão diversos — tecemos nossa identidade coletiva. Identidade essa que não é natural, tampouco definitiva, mas que transparece aos olhos daqueles que se dedicam a observar. A tarefa, porém, não é tão fácil para aqueles que querem olhar os próprios olhos, as próprias mãos e pés. Refletir-se. Olhar-se no espelho da própria alma. Contemplar-se, ampliar-se, contestar-se.
Como colônia que fomos, nossa identidade parece sempre em xeque: “ora mais portugueses, ora franceses, ora mais americanos…”¹. Diante da inclassificável diversidade do país, parece que é mais fácil olhar para o mar do que para a imensidão de nós mesmos.
Apesar do esforço louvável que foi empreendido por alguns de pensar o Brasil a partir dos brasileiros, questões sobre nossa identidade ainda causam perplexidade quase um século depois. Na busca por respostas, olhar para fora e seguir modismos ou receitas internacionais pode gerar contradições e ambiguidades, reforçar uma cidadania capenga e estabelecer a dualidade em discursos que deveriam ser múltiplos e democráticos. Olhar para dentro, porém, traz seus próprios enfrentamentos: quem somos e o que queremos ser.
Reviver o Brasil que dança, cria, resiste e reza há mais de quinhentos anos nos permite esboçar alguns traços dessa alma. Dos primeiros encontros que se deram por estes lados aos processos antropofágicos e até mesmo ditatoriais que pontuaram nossa cultura, todos esses momentos colaboraram com a construção da identidade nacional. Tal qual Macunaíma, saltando e escorregando pelos tempos e espaços de nossa terra, é possível visualizar o amálgama multicolorido de dores e afetos que precisamos encarar: se o brasileiro é cordial e gentil como os antropólogos nos apresentam, também somos racistas e sexistas; o brasileiro é amoroso, mas também sabe ser violento; empreendedor, mas que terceiriza suas responsabilidades; esperançoso e também fatalista; vinculado a suas raízes e construtor de sua própria identidade nas brechas de um complexo de vira-lata.
Esses “movimentos” da nossa alma são o resultado de um profundo processo antropofágico que se deu nestas terras e que segue operante em nossa cultura quando entendemos que o selvagem, alegre, afetivo e musical, não deve ser substituído pelos valores da civilização moderna. Se esses valores ainda nos faltam, se a cidadania é capenga e a desigualdade, gritante, o que precisamos é incorporar, a nosso modo, as vantagens da civilização, sem perder nossa essência.
Foi diante dessas questões que um grupo de jovens pesquisadores de diferentes áreas se propôs a refletir sobre a alma brasileira, usando a educação como lente de aproximação. Primeiro, porque este é um locus de tensão por natureza, onde o velho encontra o novo e o controle encontra a espontaneidade, mas, principalmente, porque é pela educação que possibilitamos que nossos desejos de país criem bases para se efetivar.
Nossa educação tem sido, até aqui, muito mais um reflexo de nossas desigualdades, preconceitos e privilégios de classe do que resultado do nosso projeto coletivo de país. Ou seja, ela tem sido muito mais uma representação de quem somos do que uma alavanca em direção ao que queremos ser.
Assim é que esse grupo se dedica a investigar uma Educação de Alma Brasileira, uma educação que revele nossos traços regionais, que expresse nossa identidade e que inspire uma relação de aprendizagem que passa pelo reconhecimento do território, da multiplicidade cultural, das raízes e sonhos brasileiros. Desse esforço de pesquisa resultará um livro, a ser lançado em 2017, e uma exposição interativa.
O livro, financiado pela Fundação SM, Instituto C&A e Fundação Itaú Social, e que conta com o apoio do MEC e do Centro de Referências em Educação Integral, caminha entre as luzes e sombras dos movimentos da alma brasileira, definidos a partir de uma pesquisa de opinião aplicada a todas as regiões do país e ancorada por sociólogos, historiadores, psicólogos e antropólogos. Nessa obra estão detalhadas mais de vinte experiências de escolas e políticas públicas, históricas e atuais, além de retratados diversos educadores que contribuíram para uma educação de alma brasileira, representando o lado luminoso de um país contraditório.
Da ousadia de Nise da Silveira à esperança de Rubem Alves, das atuais experiências indígenas e quilombolas aos CEUs e CIEJAs, dos casos concretos às leis federais, todas diferentes, todas faces desse povo que não cansa de se reinventar para sobreviver.
Resgatando a tradição indígena de contar histórias, conta-se no livro mais uma versão, com olhos atentos ao que é consagrado, mas também ao que é pouco conhecido, ao que foi calado, mas que seguiu gritando no peito. São belas histórias que merecem ser contadas. Por uma educação que olhe com valor para si, por uma educação de alma brasileira.
Para saber mais acesse: www.facebook.com/educacaodealmabrasileira/ e http://vekante.com.br
1 – SHWARCZ, L., STARLING, H. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 16
ANTONIO SAGRADO é sócio da Vekante Educação e Cultura, idealizador e coordenador geral do projeto.
TATHYANA GOUVÊA é pedagoga e administradora, mestra e doutora em Educação e coordenou o grupo de pesquisa.
Fazem parte deste projeto Bruno Bissoli, Caio Dib, Mariana Vilella, Renata Ferraz e Vanessa Pinheiro. Com curadoria de Helena Singer, Pilar Lacerda, Cleuza Repulho, Rafael Parente e Natacha Costa.