Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
#33InfânciaCulturaSociedade

A Descoberta da Infância

por Juliana de Albuquerque

Foi no século XVIII, a partir de um engajamento crítico com as ideias propostas por John Locke, que Jean-Jacques Rousseau formulou a noção que hoje possuímos da infância como um estágio privilegiado do desenvolvimento humano: a requerer proteção e cuidados específicos de modo a assegurar o pleno desenvolvimento do indivíduo.

As Meninas, de Diego Velázquez

Segundo Locke, a mente humana seria uma espécie de tábula rasa na qual o conhecimento seria impresso aos poucos, a partir da experiência que os nossos sentidos nos proporcionam. Locke opunha-se à tese das ideias inatas, ou seja, de que o homem já nasceria pronto. Assim, em Some Thoughts Concerning Education, ele escreve que as crianças careceriam de um tipo de instrução condicente com o seu estágio de desenvolvimento, tratando-se elas de “viajantes recém-chegados a um país estranho, do qual nada conhecem.”

Antes de Locke e Rousseau, alguns historiadores asseveram que as crianças eram vistas como adultos em miniatura, a partilhar de algumas responsabilidades semelhantes, a exemplo do trabalho, ainda que reconhecidas como menos versadas sobre a vida.

Ademais, o elevado índice de mortalidade infantil durante a Idade Média e início da Moderna inibia os adultos de formar laços afetivos mais estreitos com as crianças. Sobre esse aspecto, nos seus Ensaios, Michel de Montaigne reporta a perda dos seus filhos durante a mais tenra idade: “Eu perdi dois ou três filhos (…) não sem algum remorso, mas sem muito pesar.”

A ênfase de Locke na educação infantil reflete, portanto, uma gradual mudança das atitudes sociais da época em relação à infância. Assim, Philippe Aries, autor de Centuries of Childhood: A Social History of Family Life, comenta que, embora as sociedades europeias tenham começado a modificar suas concepções da infância a partir do século XIII — como bem demonstra o desenvolvimento da iconografia religiosa da época —, somente no limiar do século XVII os europeus passaram a demonstrar genuíno interesse pela graciosidade dos pequenos e por seus hábitos. Isso foi expresso pela literatura francesa do período, que passou a incorporar em suas criações determinadas expressões do vocabulário infantil, além de relatos entusiasmados sobre o desenvolvimento e o cotidiano das crianças.

No século seguinte, esse interesse pela infância ganhou contornos ainda mais definidos. Em 1762, Rousseau publica Émile, ou De l’éducation: tratado sobre a natureza e a formação do homem, a tecer críticas sobre um modelo de educação que não levava em conta as necessidades inerentes dos pupilos. Assim, adverte-nos o filósofo: “Não se conhece a infância; no caminho das falsas ideias que se têm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de ser homem.”

Anos mais tarde, em 1782, a infância volta a ocupar Rousseau em sua autobiografia, a discorrer longamente sobre as experiências que moldaram seu caráter durante os primeiros anos de sua vida. Influenciado por essas leituras, J. W. von Goethe tornou-se o preceptor do filho de sua velha amiga Charlotte von Stein. E, embora a experiência não tenha dado muito certo, a preocupação com a infância ganha um lugar de destaque em obras como Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meisters (Wilhelm Meisters Lehrjahre, 1795).

Nesse mesmo período, surgem os primeiros livros para o público infantil, ao exemplo de manuais de conduta e abecedários, escritos de forma simples, com o objetivo de inaugurar um diálogo entre o pequeno leitor e o pensamento da época. Dentre esses textos, destaco: Neues ABC Buch, welches zugleich eine Anleitung zum Denken für Kinder enthalt. Escrito por Karl Philipp Moritz em 1794, em rimas e com ilustrações, esse compêndio estimula o interesse por alguns preceitos iluministas sobre a autonomia individual, o lugar do homem no mundo e a relação entre a natureza e a cultura.

Aqui, se faz interessante notar como a primeira ilustração do texto retrata um olho humano: Auge, em alemão. Dando-nos a crer que será a partir da visão que o conhecimento da natureza e da realidade humana poderá ser adquirido e organizado. Já as outras cinco primeiras ilustrações representam os demais sentidos: olfato, paladar e tato. Ao elencar as mais variadas experiências que a criança pode acumular em seu cotidiano, o texto provoca a reflexão sobre como os sentidos se completam: “Os olhos abertos enxergam o livro (…) O que eu leio com os olhos, posso escutar com os ouvidos”. Apresentados os sentidos, Moritz introduz a criança ao conhecimento de conceitos abstratos, como o espírito — Geist — que anima o corpo e nos permite refletir sobre as nossas ações: “O pensamento é prazeroso. Eu sempre quero pensar no que faço.”

Ora, por mais aguçados que sejam os nossos sentidos, nem tudo o que desejamos conhecer é-nos imediatamente acessível. Assim, Moritz nos ensina que, para reconhecermos as letras do alfabeto, precisamos treinar a nossa visão. Isto é, expandir os limites da sua aplicação. À medida que exercitamos os sentidos, nosso pensamento também adquire maior complexidade: começamos a questionar tanto o que temos por certo diante dos olhos como o que nos permanece invisível; tal é a vasta topografia da nossa vida interior.

Esse tema veio a ser resgatado pela psicanálise na literatura do início do século XX, a exemplo das reflexões inspiradas pelas obras de Sigmund Freud: responsável por nos chamar a atenção para as características infantis que habitam alguns dos mais insondáveis recantos da mente adulta. Por exemplo, a carência de que padecemos por autoridade, acolhimento e proteção – que se expressa tanto em nosso comportamento sexual como na maneira pela qual nos relacionamos em sociedade. Do que podemos concluir que a gradual descoberta da infância pela nossa cultura traduz-se em uma maior compreensão da própria humanidade.


Originalmente publicado na edição Infância
Assine e receba a revista Amarello em casa
Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

Madureira, território barroco: escolas de samba e lugar de fala

#39 Yes, nós somos barrocos Cultura

por Mauro Sérgio Farias Conteúdo exclusivo para assinantes

Desejos para um futuro

#35 Presente Artigo

por João Bandeira

Tacet

#11 Silêncio Arte

por Vera Terra Conteúdo exclusivo para assinantes

Itcoisa: Lama negra de Araxá

#38 O Rosto Design

por Raphael Nasralla

Leão de Ouro em Veneza: uma conversa com Gabriela de Matos e Paulo Tavares

Cultura

por Revista Amarello

Imagens fotográficas em História do olho

#48 Erótica Cultura

por Ana O. Rovati Conteúdo exclusivo para assinantes

Dura lex?

#12 Liberdade Cultura

por Léo Coutinho Conteúdo exclusivo para assinantes

Manifesto

#2 Nu Cultura

por Dea Biagi Conteúdo exclusivo para assinantes

Eu vim construir meu barco

#31 O Estrangeiro Cultura

por Tamara Klink

O Sertão dentro da gente

Arte

Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

#50 Família Sociedade

por Helena Cunha Di Ciero Conteúdo exclusivo para assinantes

Mártir sem direito a escolha

Cultura
  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.