Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
#31O EstrangeiroCulturaSociedade

A Estrangeira

por Juliana de Albuquerque

Criada em Köningsberg — terra de Immanuel Kant —, Hannah Arendt aprendeu a relacionar-se com a cultura alemã como quem aos poucos incorpora algo que jamais fora naturalmente seu. É isto que nos diz o escritor americano Daniel Maier-Katkin em Friendship and Forgiveness: uma biografia de Arendt cujo foco é a análise do seu complicado relacionamento com Martin Heidegger.

Segundo o autor, apesar do lento processo de abertura da sociedade alemã desde os tempos do Iluminismo — acarretando a emancipação tanto de judeus como de mulheres —, Arendt considerava-se alemã tal um peregrino em terra estrangeira. Sentimento que se faz presente em sua correspondência com Martin Heidegger durante a década de 1950: período em que a autora tornava-se cada vez mais popular em seu novo país, os Estados Unidos.

Eis o que escreve Arendt para seu antigo professor e amante: “Eu nunca me considerei uma mulher alemã, e há muito tempo parei de me considerar uma mulher judia. Eu me sinto exatamente como eu sou agora, afinal, a garota do exterior”.

Nessa carta, Arendt se identifica com a personagem do poema Das Mädchen aus der Fremde, escrito por Friedrich Schiller sobre o encontro com uma misteriosa aparição em ambiente rural: “Ela não nasceu por estas bandas. De onde veio, ninguém sabe e todos os seus traços rapidamente desapareceram (…)”.

Heidegger responde ao comentário de Arendt com um poema da sua própria pena: “O estrangeiro é a morada do olhar solitário de onde se inicia o mundo. (…) Estranha de terra estrangeira, possa você viver em iniciação”.

Tanto o livro de Daniel Maier-Katkin como o volume de correspondências entre Hannah Arendt e Martin Heidegger (1925-1975) foram leituras que me ajudaram a enfrentar a solidão no exterior. Deixei o Brasil em 2009 e, durante os meus dois primeiros anos em Israel, agarrei-me às biografias de Arendt — como uma náufraga ao graveto — em busca de uma explicação, qualquer que fosse a resposta, para uma pergunta que não me deixava em paz. Como é que eu poderia sentir-me isolada em meio a tanta gente que compartilhava de uma cultura?

Foi quando notei que a “estrangeirice” não é ônus exclusivo de quem deixa sua terra para recomeçar a vida em outro lugar. Ora, sentir-se estrangeiro é privilégio de todos aqueles que se permitem pensar a condição humana. Heidegger, apesar dos seus excessos, parece-me ter razão ao dizer que o estrangeiro é todo aquele que se arrisca em viver onde começa o nosso questionamento sobre o mundo.

Hoje, reflito sobre os escritores que informam os meus textos e vejo que — não somente Hannah Arendt, mas uma porção de outras personalidades que admiro — também sentiam-se, em suas próprias culturas, como peregrinos em terra estranha.

Goethe, por exemplo, apesar de todo seu sucesso, tinha a impressão de estar alienado dos principais interesses alemães da sua época. Dentre outras coisas, ele criticou os intelectuais de sua terra pela linguagem obscura e retorcida, bem como pelo desapego à empiria. Argumentos presentes tanto em correspondências com o poeta Friedrich Schiller como em conversas com o seu secretário J. P. Eckermann.

Em um dos momentos mais divertidos de suas correspondências com Schiller, Goethe pergunta ao melhor amigo se não poderiam fazer algo para ajudar a Hegel – isto muito antes da publicação da Fenomenologia do Espírito – a melhor expressar as suas próprias ideias: “Ele é realmente um sujeito maravilhoso, mas as suas elocuções são passíveis de objeção”. Ao que Schiller responde: “O que ele não tem, dificilmente será capaz de receber. (…) Essa dificuldade de expressão é uma falha nacional dos alemães”.

Assim, em introdução ao texto de Viagem à Itália, o estudioso Thomas P. Saine escreve: “O desenvolvimento pessoal por que Goethe passou e os insights que ele próprio considerava ter adquirido na Itália começaram, de uma vez por todas, a distingui-lo de outros intelectuais compatriotas. De volta à Alemanha, Goethe começou a sentir-se cada vez mais isolado. A amizade produtiva com Friedrich Schiller, de 1794 a 1805, foi um benefício para ele. Mas, provou ser apenas um episódio no processo do seu afastamento de grande parte da sociedade de Weimar e da vida intelectual alemã”.

Mais tarde, essa mesma sensação de isolamento cultural informaria parte das críticas de Friedrich Nietzsche aos seus conterrâneos. Ele, que sempre admirou a exaltação da vida pelos povos mediterrâneos, diria: “Os alemães são para mim impossíveis (…) Todos os grandes crimes culturais de quatro séculos eles carregam na consciência!” Acreditando descender de nobres poloneses — “considerados franceses entre os eslavos” —, Nietzsche diz que são “estrangeiros” como ele e o poeta Heinrich Heine, de origem judaica, os verdadeiros artistas da língua alemã.

Ora, por mais que duvidemos, torna-se ainda mais difícil discordar de Nietzsche quando nos defrontamos com a clareza de expressão, a profundidade e o humor de outros escritores judeus em língua alemã, tais como Arthur Schnitzler, Sigmund Freud e Stefan Zweig.

Sentir-se estrangeiro em nossa própria terra, época e cultura não é motivo para nos angustiarmos. Quem sabe, certa dose de anacronismo e marginalidade seja necessária para o pleno exercício de nossa criatividade. Esquecemo-nos que os grandes vultos da cultura ocidental foram revolucionários, a começar por Moisés, o primeiro homem a dizer-se peregrino em terra estrangeira (Êxodo 2:22). Afinal, comenta o filósofo italiano Giorgio Agamben: “Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela”.


Texto originalmente publicado na edição O Estrangeiro

Assine e receba a revista Amarello em casa
Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

Perpétua Mutabilidade

#25 Espaço Arquitetura

por Francesco Perrotta-Bosch Conteúdo exclusivo para assinantes

Mas tudo mudou

#15 Tempo Cultura

por Vanessa Agricola Conteúdo exclusivo para assinantes

Portfólio: Mariana Tassinari

#11 Silêncio Arte

por Mario Joia Conteúdo exclusivo para assinantes

Lei cidade linda

#14 Beleza Cidades

por André Tassinari Conteúdo exclusivo para assinantes

O Verde

#35 Presente Arte

por Marcelo Brasiliense Conteúdo exclusivo para assinantes

O Nascimento do Homem-Todo

#36 O Masculino Artigo

por Vicente Góes Conteúdo exclusivo para assinantes

Morte e renascimento maia: os murais de Bonampak

#16 Renascimento Arte

por Alberto Rocha Barros Conteúdo exclusivo para assinantes

Era um garoto, que como eu, amava educação

#10 Futuro Cultura

por Carla Mayumi Conteúdo exclusivo para assinantes

Montanha ao longe

#30 Ilusão Cultura

por Léo Coutinho Conteúdo exclusivo para assinantes

Enjoy the silence

#24 Pausa Design

por Camila Yahn Conteúdo exclusivo para assinantes

Karina Olsen e sua terra de referência: Hilma af Klint

# Terra: Especial 10 anos Arte

Sem história para ninar gente grande: o despertar da ancestralidade na educação

#47 Futuro Ancestral Educação

por João Paulo Ignacio Conteúdo exclusivo para assinantes

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.