por Candice Japiassu
“tudo no mundo começou com um sim. uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. sempre houve. não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.”
– Clarice Lispector
Explosão ou O útero do mundo ou Caverna ancestral é uma pesquisa sobre a origem, mas também sobre o feminino. Nesse trabalho, quero lançar luz sobre nosso problema fundamental: o começo de tudo.
Somos feitos de poeira de estrelas que um dia explodiram. Mas e as estrelas, de onde vieram? A questão metafísica sobre nossa origem é uma espiral vertiginosa e sem resposta.
Fósseis são elementos essenciais na busca de entender nossas origens primordiais. Um fóssil é a prova de que uma criatura existiu. É a natureza guardando uma reminiscência do original em pedra. Assim, o fóssil opera mais ou menos como uma fotografia, como algo que tem uma capacidade de fazer durar um resíduo deixado por uma existência.
Em minhas fotografias, utilizo a colagem e outras manipulações digitais com o intuito de devolver incertezas sobre a origem da imagem. Assim como não sabemos de fato nossa origem primordial – temos somente pistas, temos fósseis –, busco fazer imagens que contenham certezas e incertezas, realidades e invenções.
Nesta série, recorro ao meu próprio “gabinete de curiosidades”, uma coleção dos mais diversos objetos que, de alguma forma, fazem sentido para mim. Vai desde coisas coletadas na natureza até souvenires comprados em lojinhas de museus. Na foto “OVO”, por exemplo, “desenterro” do meu pequeno gabinete o que parece ser um ovo fossilizado e uma base de pedra de origem vulcânica. Essa colagem, em particular, eu fiz quando estava grávida, momento que resolvo, ainda que por um instante, a questão da origem: eu me tornava literalmente o ponto de origem de uma nova existência.
Para outras imagens, recorri a uma coleção de fotografias de estátuas femininas que produzi ao longo de visitas a museus, galerias e sítios arqueológicos. A princípio, colecionava apenas imagens de cariátides, estrutura grega que traz a forma do corpo feminino e que serve de sustentação para um templo. Acho muito simbólico o corpo da mulher como a coluna estrutural de um templo, afinal, as mulheres são templos por si só: sustentam seres humanos dentro de si. Hoje, coleciono não só imagens de cariátides, mas também das mais diversas representações escultóricas do corpo feminino. E começo a tratá-las também como fósseis.
Para além dos meus objetos e coleções, olho para a natureza buscando formas que insinuam forças gestacionais que ainda são, portanto, referências femininas. E que não deixam de ser fósseis – são resíduos de uma explosão primordial. São fósseis de um útero do mundo.