Mudança é a palavra que ganhou as eleições mais importantes do mundo no ano passado. O presidente Barack Obama seria eleito em qualquer parte do globo com bilhões de votos de gente que, quiçá, nem saberia apontar os Estados Unidos no mapa-múndi.
Mudança é mesmo uma palavra muito forte. Tem o poder de despertar o lado progressista do reacionário fundamental, o desenvolvimentista adormecido no conservador absoluto. Porque mesmo quem está de barriga cheia terá apetite diante de um pudim de leite. O problema é a contrapartida; é entregar o doce a quem o desejou e acreditou que receberia.
Por maior que seja a boa vontade de um político, por melhor que seja seu caráter, prometer uma torta de limão a um povo que amargou oito anos de limão puro tem seu lado doloso: se ele não sabe que é muito difícil, não merece o cargo que pretende; se sabe e não conta, procede mal. Por outro lado, se contar tudo, dificilmente será eleito.
Há muitos anos, São Paulo, que é a maior cidade do Hemisfério Sul, teve um prefeito que era banqueiro, não político. Chamava-se Olavo Setúbal. E este senhor, perguntado sobre a questão das enchentes que até hoje afligem os paulistanos, respondeu que o problema só seria resolvido em vinte anos, e com a condição de que os futuros prefeitos trabalhassem direito e em continuidade aos antecessores, investindo um dinheiro que não existia nos cofres públicos. Nunca mais ocupou um cargo político.
Dizer a verdade é muito difícil. Ou, no mínimo, muito arriscado. Mas acredito que nós estamos todos carentes de gente honesta não só na conduta, mas também nas palavras. É cada vez mais raro um artista que produza exatamente o que acredita e consiga alcançar um público razoável. Dentro do negócio de vender arte, tudo deve ser experimentado em pesquisas antes de ser levado adiante. Daí que ficamos com a impressão de pasteurização artística, sentindo a falta de um gênio contemporâneo para chamar de nosso.
Com a política, o mesmo fenômeno nos assola. Aqui no Brasil, entre os políticos de primeiro time – isto é, entre aqueles que podem chegar a Presidente da República –, tecnicamente falando, talvez nenhum esteja tão preparado quanto José Serra, governador do Estado de São Paulo. Porém, mesmo nele, de quem esperávamos ouvir “a palavra” ou o caminho a ser seguido, identificamos a lanterna apontada para o resultado das pesquisas.
Tome como exemplo a Lei Antifumo: é o que existe de mais em voga em termos de administração pública em todo o mundo. Salvo em casos pontuais, ninguém mais poderá ser contra. Porém, a justificativa principal por parte do próprio governo é o apoio de oitenta e tantos por cento da população à proposta. Por outra, se a saúde pública como um todo fosse um princípio do governante, ou um compromisso de seu plano de governo, o mesmo governador teria acatado a Lei Anticoxinha, que quer impor alimentação saudável nas escolas e que foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa. No mesmo caminho, com uma canetada igual à que criou a Lei Antifumo, o Palácio dos Bandeirantes proibiria a circulação de veículos queimando óleo diesel com concentração subdesenvolvida de enxofre em todo território paulista. É a vitória do marketing em todas as instâncias. Está refletida na arte, na moda, na arquitetura, na gastronomia, na produção industrial. Com a política não poderia ser diferente. O fenômeno de consumo em massa e a globalização não dão margem de erro para ninguém. Tudo deve ser aceito por todos e em qualquer lugar. De maneira que a exclusividade, seja de uma peça de roupa ou de uma ideia, passa a custar cada vez mais caro.
Resta descobrir como permitir que um artista, um intelectual ou um político viva da mesma maneira que vive um alfaiate, um chefe de cozinha ou um arquiteto. Os primeiros pertencem a um grupo que depende de um público maior para seu trabalho. Quem pretender sobreviver vendendo opinião a um pequeno grupo de pessoas morrerá de fome ou estará condenado à academia. Inverso e proporcionalmente tão grave quanto a morte por inanição é o futuro reservado para a humanidade que prescindir de pensadores independentes.
Os jornais de todo o planeta estão morrendo. Ninguém mais tem tempo e paciência para ler com calma e profundidade na manhã seguinte a mesma notícia que chegou ontem em duas linhas pelo telefone celular. Logo, como alguém já identificou, a opinião está tão desvalorizada que nós aceitamos pagar para enviar mensagens de texto para outra pessoa, mas nem cogitamos desembolsar algum para ler um texto bem escrito e fundamentado e, a partir dele e de outros, formar uma opinião.
Sem opinião, estaremos cada vez mais assumindo nossa vocação para rebanho; estaremos mais parecidos com gado, nos sujeitando aos princípios tangenciais de qualquer profeta mais sem-vergonha do que nós mesmos. E gado, se pudesse escolher mudar seu destino, seria da panela para o forno ou, no máximo, para a grelha. O destino inexorável de quem não tem opinião é arder no fogo.
Mudança
por Léo Coutinho