Com Felipe Cohen cai por terra o mito da experiência direta. Suas colagens, esculturas e instalações exploram a subjetividade, demonstram o quanto a consciência contribui para cada contato com as coisas ditas reais. Em face das sombras de mármore negro, dos desenhos montados com papéis e de reflexos enganadores, para ver é preciso pensar. Seria essa a verdade sobre toda experiência? Será que a percepção é mais uma construção intelectual do que a impressão do mundo sobre nossas mentes?
Não somos autores de tudo o que nos cerca nem podemos esco-lher o que aparece ao abrir os olhos, mas o pouco que sabemos resulta da nossa própria atividade. O que existe entre as obras de arte e meras coisas senão um ato livre da vontade de ver e fazer? Pelos trabalhos de Felipe Cohen somos forçados a lidar com uma alternância entre sentido e matéria. O contraste dessas duas categorias está na origem de todas as imagens e obras de arte.
Se entre as coisas do mundo não existe explicação para a autonomia da vontade humana e causas metafísicas não nos satisfazem, então reside só na consciência a razão pela qual agimos livremente em determinadas ocasiões, quando o fazemos por dever sem tentar obter algo em troca. A arte sempre teve forte ligação com a capacidade humana de agir, pensar e sentir desinteressadamente, o que foi percebido pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804), cujas ideias tangenciamos. Uma boa ação é bela, ainda que trágica.
Embora a afinidade do kantismo com a arte moderna tenha propiciado uma justificativa para a abstração (como forma “pura”), Felipe Cohen constrói e desconstrói figuras mani-pulando o próprio espaço como se fosse plástico, moldável. É possível ver beleza em quaisquer objetos, sejam eles sacolas plásticas, copos, garrafas, sombras, um galho seco ou caixas de papelão.
Belas são as relações espaciais e as forças que determinam essas relações e não as coisas em si mesmas, que permanecem inapreensíveis no interior dos trabalhos. A sacola plástica deixa de ser uma coisa banal e converte-se no tênue ponto de equilíbrio entre pesos de mármore. O mesmo ocorre com o confete, torna-se a marca de uma força que perfura a pedra.
Em algumas colagens, é difícil identificar a figura dos objetos no feixe de formas que pode lembrar uma pintura de Malevich. Nas outras, um jogo livre entre realismo e imaginação sugere a analogia com Magritte. Então, ao se aproximar do trabalho, vê-se que não há tela, desenho ou pintura, mas uma montagem de papéis selecionados pelo artista para obter uma impressão de espaço.
Como se os “papéis cortados” de Matisse fossem rea-lizados por um pintor renascentista que empregasse todo o seu engenho para criar um espaço ilusório de acordo com os rígidos preceitos da perspectiva geométrica!
Em Matisse tudo se acomoda com leveza na dança de formas e cores que transfigura o espaço. Felipe Cohen, por sua vez, exige que cada coisa tenha um peso, não pelo que vale nela mesma, mas pelo trabalho de pensá-la.