A cantora Patti Smith por Krijn van Noordwijk. Reprodução
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Qual é a alternativa a envelhecer?

Numa tarde em Capri, diante do espetáculo de moças jovens bronzeadas atravessando a piazzetta na qual bebíamos nossos Camparis, lancei-lhe a pergunta: “A juventude te seduz?”
— Annie Ernaux, em “O Jovem”.

Arte da alagoana Roxinha.

Envelhecimento é palavrão no universo da beleza. Geralmente acompanhando de cifras bilionárias que movimentam uma indústria irrefreável em busca de tecnologia para atenuar sinais do tempo e também de um vocabulário excessivamente bélico. Você já deve ter cruzado com embalagens, campanhas publicitárias e rótulos com promessas de combater o tempo, enfrentar a guerra contra as rugas, ou vencer a batalha contra o relógio. 

Se não anda acompanhado de armas de guerra, esse território ganha ares metafísicos de quem pode voltar no tempo, frear o passar dos anos, operar milagres e conservar a juventude eterna. Juventude vende, e muito. Sonho mágico, já que a única certeza que temos é que vamos envelhecer – e, na melhor das hipóteses, vivendo mais e melhor do que as gerações que nos antecedem.

Nos últimos anos, há um esforço de quem pensa o tema em olhar para o léxico em torno do envelhecimento nessa seara da estética. Mas não só, este é um movimento global, que vai além da beleza e ganhou termos específicos, como ageshaming, ageísmo, idadismo ou velhofobia, como a antropóloga brasileira Mirian Goldenberg gosta de dizer. E mobiliza mais do que especificamente essa indústria – um relatório recente da Organização Mundial de Saúde, somente sobre o tema, coloca luz à importância de discutirmos o preconceito contra idade em instituições, leis e políticas do mundo todo porque nega às pessoas direitos de viverem de acordo com o seu pleno potencial em uma sociedade que, no mundo ideal, não deveria deixar ninguém para trás.

Perla Servan Schreiber, intelectual francesa de 78 anos e cofundadora da revista Psychologies, é uma das autoras que fala sobre a passagem do tempo de forma realista, lembrando que vivemos uma fase global de revisão e rompimento com conceitos sociais e políticos que atravessam a nossa concepção de idade. “Ainda temos uma noção imaginária de idade que não corresponde mais à realidade de envelhecer nos dias de hoje. Por isso, quero dizer, em alto e bom som: sim, ainda somos sedutoras, ativas, populares, cheias de desejos e sexualidade”.

Há essa ideia, especialmente no universo de beleza, que envelhecer merece desculpas ou disfarce. Faz, sobretudo as mulheres, em busca da juventude eterna, sentirem vergonha ou lamentarem quando as rugas aparecem, a menopausa dá as caras, o corpo e a libido se transformam em comparação aos 20 e poucos anos. Sophie Fontanel, jornalista francesa de moda, despontou nas redes sociais com mais de 50 anos quando resolveu não disfarçar que queria assumir o cabelo grisalho (história que virou até livro best-seller). Em uma conversa, ela me contou que decidiu passar pela transição dos fios tingidos de castanho para o branco total assumindo a “fase zebra”, como nomeou, porque queria que, nas ruas, as pessoas vissem que atravessava a mudança sem precisar disfarçar que envelhecia. “Muitas vezes, pela manhã, olho no espelho e penso ‘parece que tenho 80’. Acho importante aceitar a verdade, você não é a mesma pessoa todos os dias do ano. Alguns dias me sinto muito jovem, meu corpo está diferente, a pele está melhor. Em outros está pior. E o modo como você se olha muda tudo”, me disse.

Numa outra ocasião, enquanto acompanhava uma série de retratos da Cecília Dean, de 54 anos, que construiu uma carreira como modelo antes de fundar a Visionaire, uma das publicações mais inovadoras quando o assunto é moda, arte e design, ela me disse que sempre ficava em dúvida se sorria, ou não, nas fotos. Porque sorrir deixava a pele dos olhos mais enrugada, mas a expressão séria e controlada de modelo não tinha mais tanta relação como ela se sentia. “Quando não sorrio e vejo as imagens penso ‘pareço tão séria, mais velha’. É isso: sorrir te faz parecer automaticamente mais alegre e mais bonita. Acredito que a idade só incomoda quando você não está feliz com o lugar que ocupa no mundo. Eu, ao menos, nunca gostaria de voltar aos meus 20 anos. Tive momentos maravilhosos e memoráveis, mas não desejo fazer o caminho de volta. Me sinto tão mais esperta hoje, tão mais experiente. Tenho conhecimento sobre coisas que eu não tinha, consigo enxergar detalhes que não poderia antes, tomar decisões mais rapidamente. Tenho uma clareza genuína que só melhora com o passar do tempo, mesmo que você sinta as mudanças físicas.”

Há mais de uma década, quando vi Patti Smith no palco pela primeira vez, fiquei encantada com a forma como ela se movimentava. Hoje, ela continua sexy, graciosa, à vontade, confiante enquanto canta. Com o cabelo branco cheio de textura, a calça jeans, camisa e tênis característicos. Descrições que não comumente fazem associação direta aos seus 76 anos. 

A atitude de todas elas me faz pensar que não há uma trilha única ou maniqueísta. A memória de um rosto mais jovem é sedutora, mas tão cara quanto as lembranças do que vivemos. Só não deveria figurar como a única métrica de valor ou objetivo central de aceitação e autoestima femininas. Essa consciência também não torna o processo de envelhecimento estritamente positivo. Não há a ilusão da ”melhor idade” quando a decadência e transformação física ficam mais evidentes. Mas a combinação de saberes, desejo por longevidade e aspectos emocionais intrínsecos a envelhecer pode ser tão valiosa quanto ao corpo que enxergamos no espelho.