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#48EróticaArquiteturaDesign

Arq erotica

por Jaime Solares

Alguns momentos privilegiados na arquitetura podem ser considerados eróticos. A fresta, que corrompe a continuidade do plano e anuncia uma intimidade que explode de dentro para fora, te convidando a penetrá-la com o olhar. Ou o grande salão vazio, sobre o qual se imagina todo tipo de atividade lúdica e libidinosa, tal qual o corpo deitado aguardando que o corpo ereto o fecunde, ação fálica por excelência. Ou então a mesa de pedra da cozinha, superfície lustrada desenhada pelos veios da terra, sobre a qual se estica a massa e debruçam-se os corpos quando vitimados pelo desejo que surge incontrolável no meio do tempo da cocção. A verdade é que todo e qualquer objeto e espaço podem abrigar o erótico.

Cruising Pavilion explora como o sexo está sempre latente ou silenciado na arquitetura. Foto de Louis De Belle na Bienal de Veneza.

Se duvidam, vamos fazer a prova pelo inverso. Vamos imaginar como seria uma arquitetura não erótica: uma caixa de concreto de piso a teto, com uma grande janela de vidro. Não há um sofá de couro, um tapete para aquecer os pés, um jogo de luzes para criar claros e escuros ou um quadro nas paredes para aludir à fantasia. Esse espaço anticorpóreo, indigesto, áspero, frio e tedioso não seria o compartimento ideal para o sadomasoquismo? Não seria o desconforto, agora televisionado através da janela que vira pano de vidro, um espetáculo ao acesso dos voyeurs que assistem o corpo agonizante? Não seria a janela, antes fonte de luz e vida, uma película frágil de separação que eviscera o corpo privado e o transforma em objeto de divertimento?

Daí conclui-se que o erótico, na arquitetura, não permite correlação direta entre forma e conteúdo. Um quarto recoberto de pelúcia rosa com buracos e dildos distribuídos pela parede não é, necessariamente, mais erótico que uma monótona sala de espera de dentista. Da mesma maneira, o excesso, tão associado àquilo que é voluptuoso e sexual, não caracteriza imediatamente uma arquitetura LGBTQIAP+, e muito menos o rigor plástico define um espaço másculo e racional. Essas correlações não são mais que processos históricos de fixação de valores sobre determinadas formas espaciais. O quarto de decoração estoica —cama, armário, poltrona — não é masculinista porque prescinde do excesso, mas porque a cultura definiu que o racional pertence ao âmbito do masculino e o irracional (excesso, ornamento, acumulação, emoção etc.), do feminino. E é nessa binariedade de qualidades do espaço que a arquitetura participa como dispositivo sexual. A tipificação do espaço é resultado de um processo histórico dado através da arquitetura.

Assim, poderíamos dizer que todo espaço arquitetônico é erótico. Recuperando a qualidade tátil da arquitetura da qual fala Walter Benjamin, é no ato desatento de circular pelo ambiente construído que nosso corpo o absorve. A arquitetura traz consigo sempre a dimensão corpórea do espaço. Seja o corpo abstrato, idealização clássica que constrói o lugar a partir do corpo perfeito, ou o corpo exterioridade, pura zona de contato, sistema de pele-sobre-pele, atrito por vezes violento, de existência do ser no mundo. Mas, em sendo sempre erótico, poderíamos realmente dizer que o arquiteto ou a arquiteta produz a dimensão erótica do espaço, ou esta estaria presente nas camadas profundas de seu ofício, inacessíveis a ele ou a ela mesmos?

Talvez seja na dimensão cotidiana do fazer arquitetônico, labor repetitivo, corriqueiro, estafante, que surja o mistério, a pulsão libidinal da vida. Como qualquer fazer humano, a arquitetura, nos maus dias, me é ingrata, relação tóxica. Mas, nos bons dias, eu e a arquitetura temos uma imensa tarde de lascívia, sob um eterno sol das cinco. O erótico no projetar diz respeito a dois momentos-chave que antecedem a edificação em si: a encomenda, interlocução inicial da arquitetura com o mundo, condição prévia de sua feitura, e, ato contínuo, a necessária reconexão da mente com a mão, ignição do ato criativo. A figura do gênio intempestivo do filme Vontade indômita (1949), a arrogância antissocial do designer em O homem ao lado (2009) ou mesmo o infinito vigor criativo de Ariadne no filme A origem (2010) não passam de ficções que não encontram reverberação no real. Todo gênio, por maior que seja, sempre trabalha com um universo de pessoas, equipes, indústrias, cronogramas, expectativas, etc. É impossível produzir arquitetura sozinho.

Projetar é sempre projetar para e com alguém. Ação coletiva, diplomática, entre cliente, empreiteira, loja de materiais, condomínio, cidade, etc. As determinantes materiais são o vento contra o qual ou em favor do qual se projeta. Mas nunca são suficientes para explicar a arquitetura. A criação luta a contrapelo para reimaginar o drama humano. E, em verdade, quanto mais essas disposições econômicas, sociais, culturais e políticas se transformam em fundo, e não figura, mais a intuição toma conta do processo criativo. As maiores obras são imaginadas no desconhecido, um desconhecido circunstanciado. É um caminhar no escuro, mas um escuro que é este escuro, e não aquele. Emudecer a materialidade do mundo e transformá-la na carne mesma do edifício que nos lançamos a projetar. Transformar o ato racional de análise no ato criativo de síntese, passando, ou melhor, gestando essa difícil contradição no corpo do arquiteto criador. Mais do que em qualquer outra arte, a arquitetura gera essa tensão fundante a partir da qual criador e criatura se mesclam. Ela não simplesmente reproduz suas condições de produção, mas produz ela mesma as possibilidades de uma nova existência. E, nesse processo irracional de racionalidade, nos reconectamos com o erótico da vida. Como algo que transborda o desenho e se projeta sobre nós, a arquitetura transmuta-se em desejo, imaginação e, encarnado, experiência do prazer. O que fazemos interpela o interlocutor a participar de seu próprio processo de ocupação e desfrute, completude, deciframento, constituindo uma relação dialógica de afeto, um diálogo amoroso.

Quanto à conexão entre pensamento e ação, mente e mão, cabe evocar a questão fundante da reflexividade da “mão que toca a outra mão” de que fala Merleau-Ponty. Nessa cena, torna-se quase impossível dissociar a mão que toca da mão que é tocada. Não existe mais o quiasma entre sujeito e objeto, sujeito e mundo. No caso da concepção cerebral que, via memória muscular da mão, desenha-se sobre o papel, estamos falando também de reflexividade, já que o grafite na folha só existe como fato material a partir da ação do corpo integral. O ato criativo é sempre um ato de retorno ao corpo que se dobra sobre si mesmo. O delírio é dissociação, mas o deleite é estar em completude, corpo-mundo. O desenho é então expressão desse regozijo, e não mera técnica de representação. Exprimir significa tornar pulsante essa conexão que temos desde crianças, mas que a vida nervosa na cidade capitalista faz divorciar-se do ser. Nesses raros momentos de conexão cérebro-muscular é que me deito, em riste, sol manso na pele, e gosto de ser arquiteto.

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