Quando um sonho vira obsessão
Em 2009, Edwin Rist, então um jovem de 22 anos, subiu no parapeito de uma das janelas do museu de Tring, uma extensão do Museu de História Natural de Londres. Carregava consigo uma mala vazia, um cortador de vidro e uma lanterna. Ao tentar subir na janela, Rist derrubou o cortador de vidro. A noite estava escura, e ele não o encontrou novamente. Então agarrou uma pedra do chão, mesmo, e quebrou o vidro, abriu a janela — cortando, sem querer, o braço — e entrou no museu. Seguiu para a ala dos pássaros conservados. Abrindo as gavetas, roubou mais de 299 espécimes do museu. Furto completo, pulou a janela, pegou o trem e voltou para o seu apartamento em Londres.
Rist usou uma pinça para depenar os pássaros, colocando as penas em saquinhos plásticos estilo zip lock. Tirou fotografias. Entrou em um fórum especializado para amantes da pesca com mosca, ou fly fishing, um estilo de pesca que usa iscas que imitam insetos para atrair peixes. Essas iscas, ou moscas, podem conter penas de diversas espécies de pássaro, assim como outros materiais. São pequenas obras de arte, e requerem muita paciência e habilidade. Quanto mais raras as penas, mais valiosas as moscas.
As penas de Edwin chamaram a atenção dessa comunidade. Afinal, eram penas raríssimas, algumas de espécies de pássaros extintos há mais de um século. Era o sonho de qualquer “mosqueiro”. A demanda foi tão grande que Edwin decidiu que seria mais rápido e eficiente vendê-las através do eBay. Usou a sua própria conta, com o nome de usuário FlutePlayer 1989. O Tocador de Flauta. Quando foi rendido pela polícia, alguns meses depois, ele confessou que estava vendendo as penas para realizar um sonho.
Nascido em 1988 no estado de Nova Iorque, em uma família de classe média — seus pais eram jornalistas e donos de um canil de labradoodles que suplementava a renda da família —, Edwin não frequentava a escola. Sua mãe, Lynn, o educava em casa, e ele seguia livremente seus interesses. Logo cedo, desenvolveu duas paixões: a primeira, pela música, tornando-se um prodígio na flauta ainda jovem; a segunda, pela pesca, uma paixão herdada de seu pai. Não pela pesca em si, mas pela arte de criar as moscas, desde criança. Ele usava penas e materiais encontrados nos arredores da sua casa, e logo passou a ser uma figura conhecida na comunidade local de fly fishing. Edwin estudava técnicas de fly tying, ou a criação das moscas, em livros antigos, da era vitoriana. Esses livros continham instruções passo a passo, e muitas receitas pediam o uso de penas exóticas. Infelizmente, muitos dos pássaros mencionados haviam sido extintos, sacrificados pela obsessão dos vitorianos pela moda de chapéus com penas. Como não tinha acesso aos leilões privados nos quais colecionadores vendiam penas raras por centenas de dólares. Edwin usava penas substitutas, de pássaros comuns. A frustração pesava. Sem as penas raras, ele não conseguia alcançar o patamar de fly tying no qual sonhava estar.
Optou, então, por se dedicar à música. Recebeu uma bolsa para tocar flauta na Academia Real de Música, em Londres. Passou a sonhar em comprar uma flauta nova, um instrumento da melhor qualidade. Uma flauta dourada. Mas Edwin não tinha dinheiro suficiente. Uniu, então, seu conhecimento do submundo das moscas com sua ganância. Sentou-se à frente do computador e criou um documento chamado “InvasãoMuseu.doc”. E, apesar de as coisas não terem corrido exatamente de acordo com o plano na noite do furto, teve êxito. Mas o menino prodígio da flauta e do fly tying não era exatamente o gênio do crime, e, depois de alguns meses, foi pego. Graças a seu advogado, que convenceu o juiz de que Edwin era autista e não tinha capacidade de diferenciar o certo e errado, ele não foi para a cadeia.
Foi um crime bizarro — um homem que roubou centenas de pássaros mortos para comprar uma flauta dourada. Mas e daí? E daí que Edwin cometeu um crime maior ao arrancar as etiquetas dos pássaros, que continha informações como o nome da espécie, sua origem, a data em que foi preservada e por quem. Assim, os animais deixaram de ser espécimes científicas e passaram a ser apenas… penas. Toda a informação relevante sobre essas espécies raras, algumas extintas, havia se perdido. O mundo empobreceu, nosso conhecimento esvaeceu, e os pobres pássaros foram vítimas de humanos obcecados em ter, colecionar, estudar, exibir, pescar e roubar. Tudo por uma flauta dourada.