
E quando uma amizade chega ao fim?
Nem toda perda precisa de um funeral para doer. O fim de uma amizade pode provocar um tipo de luto silencioso, muitas vezes subestimado. Em um mundo que valida o luto de despedidas definitivas e faz vista grossa para muitos outros, romper laços com alguém que já esteve perto gera uma dor difícil de nomear e ainda mais difícil de explicar. Essa falta de nome ou de explicação é capaz, inclusive, de agravar o sentimento. Muito embora seja um tipo de perda que se esforça para passar despercebida, ela carrega consigo uma dor profunda, profunda o suficiente para rivalizar com a de perder um familiar. Um amigo, afinal, é alguém com quem você escolheu caminhar junto, o que nem sempre é verdade com a família.
O que acontece, então, quando um laço de amizade se desfaz? Quando de fato nos apercebemos dessa perda e qual é o nosso processo mental para lidar com ela?
Ainda que seja menos discutido na sociedade, esse luto é um processo de ressignificação e aceitação que exige tempo e reflexão. Ao longo da vida, vemos muitas amizades nascerem e se extinguirem, assim como outras que resistem ao passar dos anos. Existe uma espécie de movimento natural na amizade, como se fosse uma dança de aproximações e distanciamentos, moldada pelas mudanças e escolhas de cada pessoa ao longo de sua jornada. Faz parte do jogo. Mas, ao mesmo tempo, nelas existe também uma certa sensação de perenidade. Diferente da relação com nossos pais — em que a diferença de idade traz a dolorosa consciência de que um dia, se a ordem natural das coisas se fizer valer, teremos que lidar com a perda deles —, a amizade costuma se construir entre pessoas da mesma geração. Talvez por isso ela carregue a ilusão de permanência, a sensação de que aquele laço vai durar para sempre, de que seguiremos lado a lado, sem grandes despedidas.
E, assim, tanto pela falta de atenção dada a ele quanto pela dificuldade em aceitá-lo como parte natural da vida, o luto pelo fim de uma amizade muitas vezes não é devidamente processado.
Pesquisas das universidades de Aalto, na Finlândia, e de Oxford, no Reino Unido, apontam que os círculos de amizade tendem a diminuir depois dos 25 anos. A vida muda, e com ela mudam também as prioridades: novos empregos, novos amores, filhos, rotinas que pouco deixam espaço para vínculos que antes pareciam eternos. Imagine, diante desse cenário, perder uma dessas relações. E nem toda distância é natural. Às vezes, há rompimentos explícitos, desentendimentos que racham a confiança; outras vezes, a amizade se desfaz em silêncio, deixando apenas a sensação de vazio.
Segundo a psicóloga estadunidense Marisa G. Franco, especialista em amizades e autora do best-seller Como fazer e manter amigos para sempre: guia prático para se relacionar com todos ao seu redor, a rejeição e a perda de conexões sociais, como as amizades, ativam regiões cerebrais relacionadas à dor física — conceito levado adiante hoje na neurociência por estudos como os de Naomi Eisenberger e Matthew Lieberman.
O fim de uma amizade, então, acabada por qualquer que seja o motivo e por iniciativa de qualquer uma das partes, tem um quê de rejeição forte. De qualquer jeito, a dor é real, pois não se trata apenas da perda de uma pessoa que estava presente nas celebrações e nas dificuldades da vida, mas de um pedaço de identidade que se desfaz. O amigo muitas vezes é o espelho que reflete partes de nós mesmos e, quando esse reflexo desaparece, somos deixados com a sensação de ter perdido algo fundamental. Mas, se não houve uma morte física, qual é o espaço que a dor tem? A resposta pode estar no fato de que o fim de uma amizade representa a perda de uma ligação emocional profunda, e o sofrimento é real, mesmo sem o reconhecimento dessa dor.
Diferente da interrupção definitiva que é a morte, o fim de uma amizade tem o potencial de deixar uma porta entreaberta, cheia de perguntas sem respostas. Por que nos afastamos? O que mudou? Será que poderia ter sido diferente? Essas perguntas assombram, deixando no ar uma incerteza regada por dúvidas lancinantes.
No entanto, a vida segue, e com ela vem o amadurecimento. Amadurecer, aqui, é reconhecer uma perda e encará-la, tirando disso o que pode haver de positivo. O luto por uma amizade, quando validado, oferece um convite à reflexão sobre o que realmente valorizamos nas pessoas ao nosso redor. Ao enfrentarmos a dor, começamos a entender que, assim como nas relações familiares, as amizades também têm ciclos, e que, embora algumas se percam, outras se renovam. E, de alguma forma, o sofrimento se mistura com as experiências de vida que seguem em frente, criando um espaço para novas conexões e entendimentos.
É essencial permitir que a dor se manifeste, sem pressa para superá-la. Ela é um lembrete de que amamos, de que nos importamos, e que, mesmo com o afastamento, as pessoas que passaram por nossas vidas sempre deixam marcas.
O importante é ter força para continuar amando. O que resta, pois, é seguir em frente, com a consciência de que a vida e a amizade, assim como o luto, têm sua própria maneira de se reinventar.