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Amarello Visita: Pinacoteca de São Paulo
Nos 120 anos de uma das instituições mais importantes da América Latina, o Laboratório de Conservação e Restauro cuida de um acervo de mais de 11 mil obras.
Quem costuma frequentar o prédio da Luz, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, talvez já tenha reparado nas cinco salas envidraçadas localizadas no andar térreo. Espécie de ateliê de artes misturado com laboratório científico, ali fica o espaço destinado ao Laboratório de Conservação e Restauro, setor responsável por cuidar da preservação das mais de 11.500 obras que constituem o acervo da instituição. Referência não apenas nacional, mas na América Latina, o laboratório costuma realizar intervenções em cerca de 150 obras por ano. À frente dele está Camilla Vitti, restauradora experiente que acompanha o acervo há 18 anos. Nesta entrevista, Camilla fala sobre o campo da restauração no Brasil, a história do Laboratório, a rotina de cuidados com as obras e os 120 anos da Pinacoteca, que, em 2025, ganhou a parceria da Bvlgari para impulsionar a restauração das obras do acervo.
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Qual foi o teu percurso no campo do restauro e como começou a tua trajetória na Pinacoteca?
Eu estudei arquitetura no interior de São Paulo, e um dia a gente fez uma visita à capital para ver os principais museus e espaços, como o Sesc Pompéia, com projeto da Lina Bo Bardi, e a Pinacoteca, do Paulo Mendes da Rocha. Quando passei no espaço do restauro, vi as pessoas trabalhando e comentei com meus colegas: “Nossa, eu queria tanto trabalhar com isso”. Sempre brinquei com aquarela, com óleo, fiz aulas particulares e tudo mais. Eu queria ir para a área de artes, e achei que a arquitetura englobava muita coisa interessante. No final, acabei sentindo que não era para mim, que eu queria algo mais manual mesmo, então fui fazer uma especialização, em Santos, em restauro de patrimônio arquitetônico, mas ainda era muito voltado para arquitetura. Resolvi pesquisar sobre um curso na Universidade Federal de Minas Gerais, que era o curso de restauração mais antigo do Brasil — ele é de 1978. Na época, era uma especialização super concorrida, com apenas 13 alunos por turma. Eu consegui passar e me descobri. Em 2006, cheguei a fazer um estágio no MAC USP, e, em 2007, quando terminei a especialização, comecei a trabalhar na Pinacoteca. Quando entrei, eram umas 5.500 obras, hoje a gente tem 11.500. O acervo praticamente dobrou de tamanho. Mais as obras em comodato.
Como era o curso da UFMG e que características fazem parte do perfil de um restaurador?
Uma coisa interessante é que se trabalhava a interdisciplinaridade. A gente tinha uma base muito forte em química e em história da arte. Para entrar, você tinha que estudar os dois volumes do Zanini [História geral da arte no Brasil, de 1983], e uma carga bibliográfica grande voltada para a história da arte, principalmente para o Barroco.
E eu lembro que, em uma parte da prova técnica para entrar no curso, eles te davam um cartão com uma cor bem fugidia. O meu era quase um roxo, meio acinzentado, cores um pouco mais difíceis de se encontrar numa paleta. Eles davam as paletas com as cores primárias, branco e preto. E aí você tinha que tentar replicar o cartão com a mesma cor, colocar um do lado do outro, porque é essa coisa de olhar do restaurador. Olhar para a obra do artista e tentar preencher uma lacuna. Às vezes é baseado numa foto também, mas você tem que ter esse traço artístico. É preciso unir o conhecimento e a emoção de ver, digamos, uma Tarsila do Amaral na sua frente e poder tocá-la. E juntar com a manualidade. Você não vai criar nada novo, é mais sobre preencher lacunas.
No restauro, você trabalha sobre a obra de outro artista. Como funciona, na prática, esse processo de preencher lacunas?
Tem uma questão ética desejável, que é sempre usar materiais diferentes do material que o artista usou. Se ele usou uma tinta óleo, acrílica e têmpera, você tem que usar uma outra resina. A indústria ajuda muito o restaurador, porque temos, no mercado, tintas à base de resina cetônica, alquídica, à base d’água, que reagem de forma diferente do que a tinta original. Tem uma gama também de adesivos e massas para nivelamento. Vernizes estáveis, mais modernos. No laboratório, usamos técnicas para visualizar os restauros anteriores, como luzes especiais, para entender se ela já passou por algum processo anterior.


Então tudo que é feito fica documentado?
A documentação tem um papel decisivo. O antes, o depois e o meio do processo, tudo tem que ser documentado, cada artista tem a sua pasta. Isso é legal de estar no museu, porque você vai acompanhando a coleção. Se trabalhamos em determinada obra em 2006 e vamos restaurá-la novamente em 2026, conseguimos acessar o relatório de restauro mais antigo e entender o que foi usado.
Outra coisa que a gente faz com os artistas contemporâneos, desde 2005, são entrevistas. A gente já fez mais de 40 entrevistas sobre as obras do acervo. Vamos supor um artista que tem três obras. Duas são papéis que a gente sabe restaurar, que não tem muita ciência envolvida, mas tem uma pintura com alguns elementos agregados ou uma instalação com muitas peças e a gente quer entender o processo de envelhecimento, como é que o artista concebeu, qual é o conceito em cima da obra, o que pode ser substituído, etc. É um trabalho interdisciplinar, pois envolve os pesquisadores do acervo museológico, a curadoria, o educativo. Tivemos até a participação do financeiro numa obra do João Loureiro que tem referência de venda de sorvete, com lucro gerado pela obra. Depois de editada, a entrevista fica na biblioteca de artes visuais da Pina, na Pina Contemporânea, para acesso dos pesquisadores.
O Laboratório de Conservação e Restauro da Pinacoteca é referência para museus de toda a América Latina. Quando e como ele surgiu?
Temos registros de obras da década de 70 e 80 citando que elas foram restauradas, mas não se tinha uma documentação tão completa quanto temos hoje. Esse departamento de conservação e restauro começou mesmo no final da década de 90, com o Emanoel Araújo e a reforma da Pinacoteca, ainda sem toda a infraestrutura atual. No final da década de 90, todo o acervo foi removido da Pinacoteca, levado para onde hoje é o Museu Afro, e lá foi feito um atelier aberto de restauração, reunindo vários restauradores. As pessoas e o público podiam agendar e visitar esse espaço de restauro enquanto o prédio da Luz estava sendo renovado, reformado pelo Paulo Mendes da Rocha. E aí uma das ideias do Emanoel e do Paulo Mendes foi criar esse espaço voltado para restauração, que é o que temos hoje.
São três salas: uma primeira, com escritórios para trabalhos que a gente faz sem uso de solvente, como acondicionamento e embalagem de obra; a sala do meio é a que tem os equipamentos para restauração mais pesada de pintura e escultura, com o processo de restauração mais parecido; e a última sala é voltada para papel. O restauro do papel, e o papel em si, é muito mais delicado. Você tem o suporte e a imagem ao mesmo tempo, é um restauro mais limpo, com menos uso de solvente. Então a gente separa todo ferramental para papel do ferramental e dos equipamentos de pintura e escultura. Temos o privilégio de ter uma sala só para papel, com prensa para poder planificar e cuba para poder lavar e desacidificar. Lá também guardamos material para acondicionamento.
Que materiais vocês utilizam para guardar e proteger as obras?
A gente usa materiais de padrão museológico, que são inertes, que não vão soltar gases nem acidificar as obras. Trabalhamos também há alguns anos com vidro museológico, que oferece níveis de barreira para impedir que a luz UV possa esmaecer um corante ou um pigmento. Fazemos o controle da luz, porque tem dois fatores para obras mais sensíveis — sejam pinturas sem vernizes ou papéis, fotografias, tecidos — que é a luz UV, e também a intensidade de luz, medida em lux. Sempre trabalhos com os padrões definidos pela bibliografia para minimizar o impacto da luz sobre as obras. É um cuidado mais da conservação do que da restauração.

Como funciona essa relação entre conservar e restaurar? Quais são as rotinas de manutenção das obras?
Conservar primeiro para depois restaurar. A gente tem toda parte de reserva técnica, guarda das obras e conservação. Monitoramos a temperatura, a umidade, a luz, que têm que estar sempre estáveis nos padrões que determinamos. Isso é um trabalho feito junto com a equipe de infraestrutura. Fazemos a higienização das 900 obras expostas pelo museu. E também tem a guarda, que requer acondicionar corretamente as obras, determinar em que trainel, em que mobiliário a gente vai colocar, fazer o mapeamento da localização de onde elas estão. A conservação também é uma parte do núcleo. É um mundo maior que só a restauração.
E, dentro do laboratório, como é a rotina? Que equipamentos vocês têm?
O laboratório tem exaustores para vapores orgânicos, porque lidamos com solventes. Um armário especial só para guardá-los, com todas as licenças da polícia civil e federal. Temos uma capela para poder trabalhar com sucção. Você liga a exaustão, abaixa o vidro e ali consegue trabalhar, limpar uma obra, usar ou misturar um solvente. É um espaço muito versátil. A gente também tem extratores, equipamentos que filtram o ar e ele volta para a sala limpo. Assim como a parede de exaustão, que faz o mesmo trabalho na aplicação de verniz e solvente. Ela também faz uma filtragem e joga para fora do edifício o elemento filtrado. A gente tem uma mesa térmica que é muito usada para restauração de pintura. Quando você tem uma obra fragilizada nas bordas ou com um rasgo muito grande, você precisa colocar um tecido pelo verso, aí usamos um adesivo, que precisa ser quente. Essa mesa tem uma superfície quente com vácuo, sucção, para fazer essa colagem. Isso já é um processo mais invasivo. Apesar de todos esses instrumentos à disposição, hoje em dia o que mais usamos são produtos desenvolvidos pela indústria especializada em restauração, pois são mais estáveis. E, lógico, a gente usa EPI, máscara, luva, tudo.
Por terem sido construídos com painéis de vidro, os visitantes podem ter acesso aos laboratórios sempre que visitam a Pinacoteca. Poderia falar um pouco mais sobre a relação desse setor com o público?
Caminhando no térreo da Luz, você tem cinco painéis de vidro com acesso ao público. O acesso é restrito dentro das salas, mas o público consegue visualizar o que está acontecendo no laboratório, o nosso trabalho no dia a dia. A gente recebe bastante visita técnica, principalmente de cursos de restauração, professores que querem vir com os alunos, pesquisadores de mestrado e doutorado para quem também damos espaço para acessarem as obras. Tem estudantes de conservação e restauro, por exemplo, da Universidade de Pelotas ou da Federal do Rio de Janeiro ou de Minas, que desejam se aprofundar em uma obra, estudar seus materiais, fazer análises. Também fazemos workshops na Pinacoteca e em outros museus estaduais de São Paulo.
Vocês costumam fazer restauros nas salas expositivas?
Nesse caso, temos algumas barreiras. Quando envolve solventes, por exemplo, não dá para fazer, pois precisamos usar EPI, tem que ser no laboratório. Mas, de uns tempos para cá, usamos géis, de bases aquosas, de regular pH de água para conseguir limpar. Então fazemos muito isso, uma ação de limpeza na sala expositiva, e o público fica encantado. Costumam perguntar diretamente para a restauradora o que ela estava fazendo e como isso é executado. Gera uma curiosidade grande, e a gente consegue levar um pouco do nosso trabalho de bastidor para o público. Esse contato ajuda a mostrar que o Brasil tem profissionais, professores e expertise no assunto.


Há outras instituições que se envolvem nos processos de restauro? Há alguma parceria com outras instâncias de ensino, por exemplo?
Temos uma parceria com o Instituto de Física da USP. A professora de física Márcia Rizzutto e alunos da área estudando obras de arte. A Márcia vem com equipamento pro laboratório ou para a Pinacoteca — esse ano a gente fez uma ação no acervo exposto —, e eles analisam a obra de arte com os equipamentos, como luz infravermelha. Conseguem analisar sem precisar remover qualquer tipo de amostra, sem tocar na obra. O equipamento lê o que está por baixo da pintura, através do verniz, até chegar antes da base de preparação, e você consegue analisar os traços do artista, se ele fez aquele quadriculado para poder passar do estudo pequeno para a tela grande, por exemplo, ou se teve algum pentimento, se ele fez um braço numa direção, se arrependeu, decidiu mudar a cena e o braço acabou indo para baixo. Eles também analisam o tipo de pigmento, se usou um azul de cobalto, se usou um amarelo de cádmio, fazendo leituras em vários pontos da obra. Conseguem também verificar qual aglutinante que foi usado no verniz. São vários equipamentos usados para várias perguntas que a gente tem.
Com essa parceria com a USP, a gente já estudou, por exemplo, as tintas do Almeida Júnior, algumas obras do Oscar Pereira da Silva. Fizemos a análise daquela obra enorme do Tunga que está na Pina Contemporânea e, mais recentemente, no ano passado, um estudo dos caipiras. O Yuri Quevedo, que é o curador do acervo, fez uma exposição linda sobre a figura do caipira. Obviamente não dava tempo de a gente estudar todos os caipiras que temos na coleção, então elegemos Amolação interrompida e Caipira picando o fumo, ambas do Almeida Júnior, duas obras que vieram do Museu Paulista e são do começo do acervo da Pina, ícones da coleção. A gente queria entender se ele fez o quadriculado para passar para a tela maior, como é que foi o método para estender o estudo. Analisamos os estudos e as pinturas maiores.
Pretendemos restaurar duas obras do acervo do Stephan Kessler, África e América. São obras do século XVI, pinturas bem antigas. Queremos fazer um projeto bonito, chamar algum restaurador da Europa para poder ajudar. O processo ainda está bem embrionário. Em janeiro, adiantamos a parte da análise na própria sala de exposição. Foi muito interessante, porque o público estava ali vendo ao vivo o que estava sendo feito, tinha estudantes de mestrado que explicavam o que estava acontecendo, a gente deixou um totem explicativo contando sobre a parceria. Ainda está tudo com a USP, sendo processado. No momento oportuno, queremos divulgar um pouco do que a gente encontrou para o público.


Como são escolhidas as obras que serão restauradas?
Temos 11.500 obras, mais os comodatos. Tem a parte de conservação, que é rotina de trabalho. Toda semana temos que higienizar o que está exposto, e isso é parcelado ao longo da semana. Normalmente o técnico, o auxiliar e os estagiários ficam nessa rotina.
A nossa demanda funciona assim: a curadoria vem com uma lista, “eu quero fazer uma exposição no ano que vem sobre o artista tal e selecionei estas obras aqui do acervo”. A partir disso a gente faz uma checagem na reserva técnica, vê se está tudo certo. Se achar que uma obra precisa de restauro, já encaminha para os responsáveis. Quem é de papel vai fazer papel, quem é de escultura vai fazer escultura, quem é de pintura vai fazer pintura. A gente faz análise, vê se precisa restaurar, se precisa colocar moldura, vidro museológico, faz todo o preparo da obra para ela subir para a exposição. Então isso é uma demanda da curadoria.
Há outras demandas de restauro?
Sim, a segunda demanda é o empréstimo. O acervo museológico é quem cuida da documentação. Eles nos passam a lista de obras que vamos emprestar, a gente faz uma análise e trabalha em cima. Se precisar de restauro, de preparo, alguma coisa, a gente deixa tudo bonitinho. E no empréstimo corre seguro. Você tá tirando de um local para levar para o outro, então a gente faz laudo técnico de estado de conservação e depois acompanha a montagem no local. Depois faz todo o processo inverso de despaletização e de transporte até o museu, espera as obras descansarem, normalmente de 24 a 48 horas, e parte para a montagem. No laudo a gente vai atestando que tudo correu bem, não ocorreu nenhum sinistro. É um trabalho técnico. Se alguma coisa acontecer, a gente verifica e tem que resolver.
Estamos falando de um acervo com 11.500 obras, sendo 900 delas em exposição. Qual o tamanho da equipe envolvida no laboratório?
Nós somos 12 pessoas. São cinco restauradores no laboratório: uma dupla para papel, uma dupla para pintura e, por enquanto, uma pessoa só para escultura. Temos um auxiliar de conservação e restauração e dois estagiários. A reserva técnica também é parte da equipe, lá tem o supervisor de reserva técnica, que também é formado em conservação e restauração, uma pessoa que é conservadora e restauradora, e um técnico de reserva técnica. E temos interface com a coordenação, a infraestrutura, o acervo museológico e a produção, que é quem faz as produções temporárias. Eu desconheço outro museu no Brasil que tenha uma equipe de 12 pessoas com formação na área.
Quais obras foram escolhidas para celebrar os 120 anos da Pina e que foram restauradas a partir da parceria com a Bvlgari?
A gente escolheu três pinturas e duas esculturas. As pinturas estão prontas e estão na reserva técnica da Luz. Ainda não entraram no acervo. Uma escultura está em restauro, e a outra ainda está em processo de pesquisa. Escolhemos obras que contivessem cor, diversidade de materiais e técnicas, além de serem de artistas italianos ou descendentes de italianos, como Daniele Oppi, Amadeo Lorenzato e Victor Brecheret, e brasileiros, como Maria Martins e Chico da Silva. O Chico da Silva teve uma escola de pintura, criou um ateliê como os italianos sempre fizeram, com vários pupilos, que é o ateliê Pirambu, então a obra tem a mão do artista e tem a mão do ateliê também. [Text Wrapping Break][Text Wrapping Break]Das esculturas, a gente escolheu um gesso e um metal. O metal fica no Parque da Luz, e é uma escultura da Maria Martins. Este ano são 120 anos de Pinacoteca e 200 anos de Parque da Luz, então uma forma de comemorar é restaurando as obras do Parque.
A última escultura é do Brecheret, em gesso, que, ao longo dos anos na Pina, passou por várias camadas de pintura. Hoje ela está numa cor de vinho meio amarronzado, e em alguns catálogos a gente viu que ela já foi dourada. Começamos pela estratigrafia, que é um processo de vir com o bisturi e ir tirando as camadas de tinta até chegar no gesso. Você faz umas réguas bem pequenininhas. Isso se faz muito em arquitetura para saber quantas vezes uma porta, por exemplo, foi pintada ao longo dos anos. Você vai indo da tinta mais recente, abrindo esses quadradinhos, até chegar na madeira para entender o processo e saber qual foi a primeira tinta aplicada. A gente fez isso e chegamos no dourado. Então agora temos que ver com a USP se eles conseguem nos ajudar a saber se aquele dourado era tinta ou folha de ouro. Não quer dizer que a gente vá restaurar e retomar a cor original, mas estamos tentando entender o histórico da obra, estudá-la primeiro.

As obras de arte contemporânea trazem mais desafios de conservação e restauro? Pensando que há muitas obras que já nascem efêmeras ou que são feitas com materiais mais frágeis ou até mesmo perecíveis.
Tem uma obra muito linda da Juliana dos Santos, por exemplo, que não temos como restaurar porque faz parte do conceito da artista. Estamos com uma exposição dela bem bonita na Pina Contemporânea [Juliana dos Santos: Temporã, em cartaz até 8 de fevereiro de 2026]. Ela usa a flor de clitoria, uma flor que faz o corante azul. Um azul que fica até meio violeta na intensidade, e depois, com a luz, vai se perdendo, amarelecendo, se dissipando. E esse é o conceito dela. Enquanto conservação, não temos que tentar estabilizar tudo. Essa obra parte da efemeridade. São exemplos bem bonitos de obras que são feitas para durarem aquele tempo. A conservação é isso, né? A gente põe tudo estável lá, na temperatura certa, na umidade certa, para tentar prolongar ao máximo um objeto. Mas tem características que são inerentes ao material, que nascem com a mudança em si.
Enquanto referência em conservação e restauro entre os museus da América Latina, qual é o papel da Pinacoteca no futuro desse campo profissional?
Como equipe, e junto com a Bvlgari, queremos trazer cada vez mais inovação para a nossa área de atuação, que é tão técnica, específica. Queremos aperfeiçoar cada vez mais os nossos profissionais e ajudar a formar os profissionais do Brasil. Só no workshop que realizamos com restauradores italianos, e que foi realizado graças à parceria com a Bvlgari, sobre géis que eles produziram com PVA, que é polivinil álcool, e bórax, a gente conseguiu reunir pessoas do Ceará, de Minas, do Rio de Janeiro — professores que estão levando esse conhecimento para a sala de aula e propagando ele. Ter esse caráter de inovação e de formação, não só nossa, como de outros profissionais do campo do restauro e do patrimônio, é algo central, porque, no final, é a restauração do patrimônio brasileiro.
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