Tudo bem que já não se sequestre aviões (romanticamente) como outrora. Os tempos passam, as modas mudam, as passagens ficam baratas, as práticas se tornam anacrônicas e/ou vulgares; tudo isso é tão orgânico (e vital) quanto humano (e desumano) que as pessoas se valham de atitudes extremas – uma bomba ou um bumbum de fora – para chamar a atenção.
O terrorismo, mortal ou meramente ambiental, é a mais rigorosa modalidade de propaganda já constituída; e nem o Boninho terá compreendido as infinitas possibilidades da televisão ao vivo com a mesma clareza dos terroristas.
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Descobri, graças a Johan Grimonprez (autor do instigante filme Dial History), que as técnicas ancestrais que uso para fugir dos atores de teatro interativo – jamais sentar no corredor e nunca buscar o olhar do algoz – são as mesmas historicamente recomendadas aos que não querem ter o pescoço degolado por um sequestrador de avião.
(Incontornavelmente seguro, porém, é não andar de avião e, sobretudo, não ir ao teatro).
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Poucas palavras foram mais raptadas pelo clichê psiquiátrico que paranoia. Sei que muitos ficam milionários (ou viram presidentes da Venezuela) explorando delírios sistematizados vagos e cafonas; mas eu vou direto ao ponto, com a exatidão decorrente do notório saber: a única estirpe de paranoia que se deve temer é ciúme crônico de mulher (tenha ela razão ou não).
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Só recentemente tomei conhecimento de que o bêbado maluco aqui do bairro – que nos cruzava a porta cantando sambas-enredo do Império Serrano em francês – era depressivo, bipolar, esquizofrênico e dependente químico; e soube que já não poderia (deveria) mais chamar por Negão o amigo fraterno a quem sempre chamei por…Negão.
Pela mesma época, fui também informado de que vivíamos um poderoso drama, o aquecimento global, que de repente botava o planeta a contar os últimos giros, embora antes Hollywood devesse produzir todos os filmes sobre o fim do mundo (e apesar de que, em meus trinta anos, tivesse já experimentado muito mais calor e muito mais frio aqui nesta província do Leblon).
Aquele foi o verão (ou seria inverno?) em que o pavor presente – o terrorismo contemporâneo – consolidou dois grupos associados pesos-pesados: os politicamente corretos (ou ONGs) e os ambientalistas (ou ONGs).
E nada nunca mais foi como antes.
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Em qual momento um atentado – o 11 de setembro, por exemplo – deixou de ser episódio extraordinário para se esparramar em perenidade? Quando foi que aquela ocorrência – tão nefasta quanto efêmera – veio e simplesmente ficou, aboletada, fundida nos meios como lidamos com o mundo e com os outros?
Quando?
Subitamente, o terrorismo – aquele, clássico, com sequestros, bombas etc. – deixava de ser evento pontual para se desdobrar em permanência e, pois, em possibilidade. Um medo baixinho, sem explosões ou faces definidas; antes de tudo, ameaça, patrulha, desconfiança e, logo, licença para os maiores assaltos à democracia e às liberdades individuais. Um medo que espreita; que é um estado mental, hipocondria social (e que está sempre a um passo da histeria).
Ao dobrar da esquina… O terror! O terror! O terror!
Exagero?
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Brasileiramente, tudo afinal ecoou no preciso instante em que o jornalismo transformou-se em assessoria de imprensa e o politicamente correto virou movimento – “Basta!” – da classe média zona sul (foi um ai-jesus)! A carioca estava cansada, já não aguentava mais a impunidade, a tamanha barbárie de traficantes cujas balas-perdidas encerravam-se em nossas crianças – e então decidiu levar Fernando Gabeira a sério.
Aquele foi o verão (ou seria outono?) em que Zuenir Ventura ganhou coluna em jornal, a crônica criminalizou a polícia e se pôs a serviço do onguismo, e o AfroReggae de repente se tornou o futuro (e a esperança) do Brasil.
E nada nunca mais foi como antes.
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O medo individual só raramente resulta em reação individual. Para tanto, os medrosos contam (contavam) com o governo. Mas e se este for corrupto, segundo a imprensa indignada, culpado de todos os males? E se o político e a política – tudo coisa ruim – estiverem também criminalizados, lá no degredo ético para onde mandaram a polícia?
Quem doravante protegerá a sociedade? (Afinal, alguém precisa lucrar). Quem pegará na mão dos ceguinhos?Ora, é simples: uma ONG. Ou milhões delas – todas curiosamente financiadas pelos… governos!
(Então: “Ficha limpa” neles)!
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Os governos – os políticos – são injustiçados?
Não, não é isso. Mas que tal ampliarmos a lista – o bloco – dos sujos?
Há mais de trinta anos, alternando vigarices, com maior ou menor competência e, logo, irresponsabilidade, todos os governantes do Rio conjugaram formas de adiamento e embromação, retardando-evitando os choques e empurrando o problema das drogas para os sucessores, e investiram em acordos tácitos espúrios e precários que, a rigor, cultivaram (em silenciosa estufa) o clima de ameaça-medo-terror constante: o tráfico podia controlar, como desejasse e sem maiores incômodos repressivos, os morros, mas desde que minimizasse os delitos no asfalto; pacto ao qual compareceu – agradada – a classe média (olha ela aí), que assim teria a segurança possível se com efeito indisposta a abrir mão do pó (ou como lhe restaria a vida social ou o glamour)!?
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Pegue o trecho acima, adapte a qualquer nação e a seus conflitos – da guerra no Afeganistão ao flagelo do Haiti, do bolsa-família brasileiro à velhacaria ideológica cubana – e repare em como o terror permanente financia a mais lucrativa (e viciante) indústria (elite) já erguida pelo homem: a da exploração da miséria (difícil será achar quem não a integre).
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Citei o filme – por meio do qual Johan Grimonprez radicaliza (e denuncia) a linguagem sensacionalista do que se convencionou chamar por media – e preciso lhe sublinhar o ritmo quase enloquecido da montagem, que consiste numa sucessão cronológica febril de sequestros de aviões mundo afora: eventos espaçados em um ou mais anos, cada qual com seus pormenores políticos-ideológicos-religiosos, normalmente desconexos entre si, no entanto apresentados em sequência, como se ávidos diariamente, um atrás do outro, e sob a mesma motivação; e logo se estabelece a massa do pavor, o grande lixão do medo, o espetáculo do pânico…
Pergunto-especulo: haverá neste desenrolar o instante em que o terror se desliga do terrorismo para assumir e desenvolver uma existência autônoma e multiplicadora na voz do Datena? Haverá o momento em que a reportagem do fato (do terrorismo) se transforma num terror (fato) novo, independente? Haverá aquele átimo em que o veículo deixa de noticiar terrores e terrorismos para amplificá-los e mesmo causá-los?
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E eis que chegamos ao verão (ou será primavera?) em que fumar cigarro é pior que fumar maconha.
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Uma questão muito séria: o Rio de Janeiro está mais violento hoje ou seremos vítimas do acúmulo de violências? A cidade é mais barra-pesada ou foi simplesmente o tempo que passou e as histórias-mazelas individuais que se sobrepuseram? O Rio vai mais agressivo ou tão-só ricochetearão as memórias? O crime é de fato crescente ou ora terá apenas mais instrumentos para repercutir?
Pode-se pretender uma atitude blasé ante os estímulos – midiáticos – que nos empurram ao curso do medo. Pode-se também desprezá-los; ignorar-lhes a influência. Pode-se quase tudo a propósito, desde que se faça a seguinte reflexão, importantíssima para a regularidade das noites de domingo: o que será do Fantástico – o “show da vida” – sem o medo?
Carlos Andreazza, fundador do site Tribuneiros.com e editor da Capivara Editora, é co-autor do livro .
Notas para um terrorista moral
por Carlos Andreazza