Taquicardia, sudorese, alucinação, distorção da realidade, tremores, ansiedade, ideia fixa, obsessão, dependência.
Esses poderiam ser sintomas do delírio de uma pessoa atormentada pelo vício das drogas, ou acometida por algum distúrbio de ordem psiquiátrica. Mas também são frequentes na pessoa apaixonada, refém de todas essas sensações e sentimentos.
Comparando as tomografias de apaixonados às de viciados, constatou-se que as áreas cerebrais afetadas são as mesmas. Assim como a droga, a paixão cria no sujeito apaixonado a ilusão de fusão – somos eu e você uma única coisa; portanto, sem você não tenho prazer: não sou nada.
Paixão avassaladora, carrega em si a palavra vassalo, escravo, aprisionado por um sentimento, refém.
A letra da canção de Lenine, Avassalador, que invadia nossas casas à noite por causa da antiga novela das oito, é bastante rica em imagens: “Aquilo te pega de jeito/Te dá um sacode para lá de além/O mundo todo estremece/O caos acontece/Não poupa ninguém/Arrebatador/Vem de qualquer lugar” – cujo verso final também pode ser entendido como “vende”, no sentido de se vender qualquer lugar ou qualquer coisa, pois os apaixonados não medem esforços em troca de seu vício: a pessoa escolhida. Tudo fica em segundo plano, amigos, trabalho; em alguns casos, até mesmo a vaidade.
Bruno Bettelheim situa a paixão como algo do âmbito psicótico. Uma situação sem resto, sem troco. Projeto-me no outro com tal força que, quando este me falta, não posso me retomar. Estou perdido para sempre.
Durante o estado de enamoramento, há um rebaixamento narcísico. Psicanaliticamente falando, um transbordar da libido do eu para o objeto de amor. Explico: a energia que estava voltada para mim volta-se para o outro. Por isso, a sensação de vazio quando ele não está por perto.
Em Sobre o narcisismo, Freud coloca que o apaixonado é humilde, isto é, a dependência do objeto amado tem um efeito rebaixador no ego. Por este motivo, o sujeito a quem dirijo minha paixão torna-se tão vital e necessário.
A ele dirigi tudo o que tenho de mais forte, meu amor próprio. Quando não o possuo, sinto como se tivesse sido roubado de minhas qualidades.
De alguma maneira, o estado apaixonado coloca o amado numa condição de “ideal de eu”, isto é: na posição como gostaria de ser tratado. O que o apaixonado vê no outro não é exatamente o amado, mas, sim, uma parte de si mesmo projetada nele. Aquilo que gostaria de ser. Paixão é projeção, idealização. Distorção de realidade. Transe. Fantasia. Loucura.
Entretanto, não há como suportar a realidade sem fantasia. Ela é responsável pela expressão de nossos desejos; também é um meio de realização dos mesmos. É o que nos mobiliza. Sem sonhos, sem fantasia, não há onde nos refugiarmos do dia a dia, do cotidiano, das frustrações.
É preciso paixão para se levar adiante um projeto. Sem desejo, ficamos paralisados. Paixão tem a ver também com movimento dos instintos, com vida e criatividade. Sempre pensei que os artistas deveriam estar embalados por uma espécie de transe apaixonado antes de suas criações.
Segundo o escritor húngaro Sándor Márai no livro De verdade, “(…) a insanidade não tem explicação. Uma vez tudo na vida se arrebenta… e talvez seja muito pobre a vida sobre a qual não se arrasta ao menos uma vez a tempestade dessas explosões, que não tem as paredes de sustentação abaladas por essa espécie de terremoto, que não tem as telhas do teto arrancadas pelo furacão cujo uivo desloca por um instante tudo que até então a razão e o ser mantinham em ordem.”
A chama da paixão, que arde, queima tudo, dá sentido a muitas coisas e questiona outras. Mais uma vez cito Márai: “A paixão não festeja. Dá tudo e exige tudo.”
Os fazendeiros costumam queimar o pasto antes de plantar capim. Um coração queimado pela paixão pode ser um terreno fértil para outras construções, pois há nesse sentimento um lado construtivo. Embora consuma o sujeito, também o enche de vivências.
Trata-se de uma crise que abala as estruturas mentais. Porém, sem movimento não há crescimento; não há questionamento, nem amadurecimento. Talvez seja necessário que alguém, de alguma forma, surja para estremecer nosso mundo, para que este então seja novamente reconstruído, repensado.
De alguma maneira, precisamos dirigir ao outro nossa energia, pois, aprisionada, também ela nos intoxica. Em outros termos, sábias as palavras de Freud: “É preciso amar para não adoecer, estamos destinados a cair doentes, se, em consequência da frustração, formos incapazes de amar.”