#48EróticaArtes Visuais

Gustavo Nazareno: um “Laroyê!” para o mundo ver

A arte sempre serviu como uma ponte entre o tangível e o transcendental, entre o mundano e o divino. Independentemente de serem os humanos que se aproximam das divindades ou o contrário, o que realmente importa é o fator metafísico de criar algo de valor artístico elevado. É a coexistência de mundos dentro de outros mundos. Nas obras de Gustavo Nazareno, essa essência transcendente se manifesta com um canto pictórico singular, tomado de influências do Candomblé e mistérios de Exu, o mensageiro dos orixás.

Originário de Três Pontas, Minas Gerais, Nazareno é um dos artistas brasileiros mais promissores do momento, já tendo desenvolvido uma maturidade artística impressionante para seus 29 anos de idade. Não é exagero dizer que, em seu nível de detalhamento e suas fusões entre sacralidade e sensualidade, há um quê quase davinciano: “Acredito que minhas andanças pelo mundo da fotografia, junto às inspirações nas pinturas renascentistas, me fizeram desenvolver um olhar extremamente apurado para criar uma imagem, ou melhor, me fizeram sentir a necessidade desse olhar apurado para estar verdadeiramente satisfeito com uma imagem”. O embasamento técnico, surpreendentemente adquirido por meio de seus estudos autodidatas sobre anatomia, é uma verdadeira proeza. Não é necessário ter olhos treinados para percebê-lo. Mas sua ascensão meteórica no cenário artístico não se resume apenas à sua excelência técnica.

O enorme sucesso vem sobretudo de sua habilidade de transcender fronteiras culturais, criando narrativas que ressoam com uma audiência global. Como, se não por puro talento, conseguir expor trabalhos que percorrem os ritos ancestrais africanos e a mitologia dos orixás em lugares como Inglaterra, na tão fria e enevoada Londres? Chega a ser interessante ver o mundo se rendendo à sua profunda conexão espiritual com os orixás do panteão Iorubá. “Minhas imagens”, revela o artista, “sempre retratam passagens que escrevo sobre os orixás, manifestadas em corpos humanos dentro de um universo místico e singular que habita minha mente”. De algum jeito, sua mensagem é forte o bastante para reverberar mundo afora, fazendo com que o espaço que vem conquistando seja um espaço não só artístico, mas também político: “O que trago para o tangível são as emoções desses corpos, estabelecendo uma conexão política significativa para mim”.

No cerne de sua obra reside Exu, o orixá das encruzilhadas, das dualidades e das comunicações, comumente relacionado à sexualidade e à virilidade. Se figuras católicas já foram retratadas à exaustão de forma magnânima e sensual, Nazareno apresenta um jogo de sombras com Exu em toda sua grandiosidade, ora provocador, ora sedutor, mas sempre imponente. “Sou profundamente inspirado pela missão de capturar esse aspecto dual de Exu, essa entidade simultaneamente divina e mundana, pura e profana, através do véu de sombras que emprego em meus desenhos e pinturas.” Assim, ele exalta a sexualidade de Exu a partir de um tributo aos corpos. Considerando-se um filho do orixá, conclui que “era inevitável que essa essência se refletisse no meu trabalho.”

No âmago da sua missão de resgatar narrativas outrora silenciadas e propor uma nova relação com o passado, outra figura emerge com recorrência: Maria Padilha. Como uma das mais populares pombagiras, ela não apenas personifica a sedução, mas também a resolução dos dilemas relacionados ao corpo e aos desejos humanos. Assim como Maria Madalena foi elevada à categoria de símbolo de sensualidade e redenção no Renascimento, Nazareno realiza o mesmo feito ao dar vida às entidades do Candomblé, infundindo nelas uma aura de poder e magnetismo que ressoa através das cores vibrantes e dos traços marcantes de suas obras.

Como uma voz que evoca a ancestralidade, é capaz de repensar a história da arte e ainda lançar um novo olhar sobre as filosofias provenientes da diáspora, além de destacar a riqueza e a diversidade das tradições afro-brasileiras. E, batendo de frente com o racismo religioso que ainda persiste na sociedade, chama a espiritualidade para dançar uma coreografia alternativa difícil de ignorar, que celebra e valoriza tanto a herança quanto a identidade negra.

À medida que o mundo começa a reconhecer o nome Gustavo Nazareno, podemos ter certeza de que ainda veremos muitos orixás dançando entre pincéis e cores em telas que se fazem de portais para outras dimensões, onde a espiritualidade e a humanidade se entrelaçam em um espetáculo de luz e sombra. Pois, como ele próprio diz, “Eu sou de Exu da cabeça aos pés”.

Que Exu receba suas oferendas de braços abertos. O mundo dos mortais, sabemos, já escutou o Laroyê.