Minha relação com o esporte teve início na infância, incentivada pelo meu pai, inicialmente no tênis e depois no futebol, como ocorre à maioria dos garotos. Sempre tentei me manter ligado à atividade física, correndo na academia ou na rua, ainda que apenas uma ou duas vezes por semana. Sabia que, por menores que fossem a frequência e a exigência, a simples prática esportiva me fazia bem, especialmente ao fim do exercício: aquela sensação de pós-esforço – uma injeção hormonal de endorfina e serotonina – que nos traz satisfação sem igual.
O ano de 2010 foi, na minha vida, um divisor de águas. Estava com hábitos nada saudáveis, fumando e bebendo muito, submetido a oscilações de peso muito bruscas. Quase não fazia atividades físicas. Minha preocupação, ao chegar em casa, consistia em saber qual seria o programa da noite e o que teríamos de bebida para acompanhar.
Até que minha esposa me presenteou com uma viagem que definitivamente me mudaria – e para muito melhor.
Fazíamos dois anos de casados e ela me ofereceu uma expedição ciclística pela Dordonha, na França, com uma turma que não conhecia e que então me parecia muito chata, já que pouquíssimos bebiam e nenhum fumava. O tour tinha por proposta conhecer a região sobre bicicletas – de ciclismo de estrada – e percorreria as principais cidades locais.
Estava mal-humorado, aborrecido com aquele presente de casamento. De qualquer maneira, já que a viagem estava paga e me fora dada com tanto carinho, comprei minha primeira bike, bem às vésperas de uma prova de ciclismo que subiria a serra velha de Campos do Jordão. Para quem o conhece, um percurso bastante duro, desafio que exige um mínimo de treinamento prévio.
A prova seria no domingo. Comprei a bike na sexta à tarde e, no sábado, testei-a: uma speedy, totalmente diferente de tudo que já experimentara. Enfim, no domingo, lá estava, a postos. Terminei o trajeto num tempo bem razoável, algo em torno de duas horas e pouco, e fiquei bem empolgado. Minha estreia se deu a 9 de maio. Tive tempo, portanto, para treinar até meados de julho, quando partiríamos à França.
A viagem, confesso, foi uma das mais espetaculares de minha vida. Fiz amigos naquela turma com os quais me relaciono até hoje. Queimei a língua – ainda bem.
Essa mesma turma, composta de pessoas muito regradas, estava inscrita para o Meio Ironman em Miami (1.900 metros nadando, noventa quilômetros pedalando e 21 correndo) – a se realizar no final de outubro. Mobilizaram-se para que eu participasse, como se fosse um passeio no parque, e irresponsavelmente aceitei o chamado e me inscrevi.
Treinei bastante nesse intervalo de três meses. Participei de um triátlon curto (750 metros nadando, vinte quilômetros pedalando e cinco correndo), fiquei em terceiro lugar, e depois, em Santos, tomei parte em uma prova de triátlon olímpico (1.500 metros nadando, quarenta quilômetros pedalando e dez correndo).
Finalmente, chegou o dia do embarque para Miami. Enquanto esperávamos, encontramos um casal de amigos que me perguntou se participaria do Ironman Brasil (3.800 metros nadando, 180 quilômetros pedalando, 42 correndo), em maio de 2011. As inscrições já estavam encerradas. Porém, disseram-me que conseguiriam abrir uma exceção para mim – e lá fui eu, irresponsavelmente, de novo. Dessa vez, considerado o poder de exaustão da prova, com grande risco de um trauma irreversível.
No Meio Ironman de Miami, mantive um ritmo bem conservador, com o intuito de não “quebrar” na corrida. Não queria ter de caminhar. Consegui e conclui o percurso em cinco horas e 47 minutos. Uma conquista importante, pois me dava confiança para o grande desafio de qualquer triatleta, o Ironman. Eu estava inscrito e não desistiria, focado em cumpri-lo bem, e sem caminhar nos 42 quilômetros de corrida.
Muitos duvidaram quando afirmei que participaria de uma prova em que se nada, se pedala e se corre, respectivamente, 3.800 metros, 180 quilômetros e 42 quilômetros. É um desafio contra você mesmo, contra sua mente, sempre pedindo para que paremos, para que desistamos, e no entanto, por algum motivo, seguimos em frente; eu segui – e fui: onze horas e 54 minutos. Cheguei exaurido, chorando muito, sob a mistura de dor e de alegria, muita dor e muita alegria, muita satisfação.
Com a regularidade dos treinos – para além das nítidas mudanças no corpo, com implicações decisivas para o bem-estar e para a disposição física cotidiana –, começa-se a adquirir uma disciplina acima da média, já que, obrigatoriamente, deve-se praticar ao menos dois esportes em quase todos os dias – e ainda conciliá-los ao trabalho e à família. Além disso, o rigor das provas fortalece o espírito e a cabeça. No Ironman deste ano, por exemplo, tive muitas cãibras e, portanto, senti muita dor. Sofri, mas fui em frente. Valeu a pena. Meus pais foram me assistir e me motivaram a terminá-lo. Atleticamente, porém, não fiquei satisfeito. Quem pratica esse tipo de prova nunca – nunca mesmo – fica contente com o próprio resultado. Sempre haverá onde e como melhorar.
Estou no caminho certo. Treino com pessoas legais. Alimento-me corretamente. E tento ser flexível para que esta prática não se torne uma neura e não prejudique minhas vidas familiar e social. O triátlon, compreendido desta forma saudável, mudou-me para melhor. Acredito que todos temos limites fisiológicos e físicos, os quais, entretanto, dificilmente alcançaremos – a não ser que sejamos profissionais. Como não sou, continuarei treinando, com responsabilidade, mas sem medo de sentir dor. Todos nós podemos ir além, sempre.
Jamais pretendo parar, uma vez que finalmente encontrei um esporte que me completa e me faz feliz.
Nunca – parar
por Guilherme Nehemy