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Mas tudo mudou

por Vanessa Agricola

Obra de Ricardo Alcaide

Sabe aquela turma que não tem mais nada a ver com a sua vida, mas que de vez em quando você ainda encontra porque, sei lá, faz falta ter uma turma. Aquele monte de gente em casa, o telefone tocando sem parar. Hoje em dia ninguém liga! Toca o telefone é a minha mãe, ou meu irmão, é sempre família. Ou então o cara da obra, pedindo mil desculpas, está muito ocupada, pode falar? Gente, eu não sou a Dilma. E se eu não puder falar não vou atender, simples. Mas o Facebook acabou com o telefone. Agora todo mundo só manda mensagem. Chega aquele: ai, que saudaaade, vamos marcar! E ninguém marca porra nenhuma. Qualquer jantarzinho é a maior burocracia, uma tá trabalhando, a outra o filho tá com febre, o outro tem que acordar cedo… Eu me pergunto, é todo mundo tão ocupado mesmo?

Depois que eu casei a coisa piorou muito. Eu acho que as amigas solteiras acham que porque você casou você não quer mais falar com elas. E se você tiver um filho então, nossa, aí elas acham que você morreu. Meu Whatsapp só tem bate-papo das casadas com filhos. Uma quer saber do dentinho, outra do pediatra, ninguém mais fofoca?

E visita? Hoje chega a ser uma afronta você aparecer assim na casa de uma pessoa. O pessoal até recebe, em dia de aniversário, festa, mas não tem mais essa de chamar os amigos em casa, ver um filminho, fumar uma maconha. Pensando bem, quando eu fumava maconha eu recebia bem mais visitas. A maconha une as pessoas. Quando eu fui morar sozinha, fui a primeira das amigas a alugar um apartamento, ali perto da GV. Eu chegava do trabalho e já tinha gente na portaria, me esperando pra fumar maconha. Eu até me irritava, daí a gente bebia, comia, eu dava risada. O apartamento era minúsculo mas vivia cheio. Acabava uma dormindo no sofá, outra no chão, principalmente em dia de balada. Outra coisa que eu sinto muita falta. Outro dia liguei pra Paulinha, carioca, falei, pô, Paulinha, vamos dançar? E ela, Vaness, a night tá nas trevas. Quer ir jantar? E lá fomos nós encher a cara de Coca Zero no Frevinho da Augusta.

É, meu povo, tá feia a coisa. Eu ando tão carente que aceitei esse convite dessa turma nada a ver, mas que eu conheço desde o colégio, pra tomar uns drink nesse Carnaval. A gente tem um passado em comum. Alugamos uma casa na Praia do Rosa, num réveillon, era uma casa looonge, porque ninguém tinha dinheiro, a gente andava muito, porque ninguém tinha carro, e ninguém tava nem aí pra nada disso. Todo mundo andava junto, quilômetros e quilômetros, rachando o bico. Na noite do ano novo, resolvemos tomar um Iglu, um ecstasy. Bom, chegando na festa, não deu cinco minutos eu fui comprar uma água e conheci um gordo obeso. Foi amor à primeira vista. Olhei bem nos olhos dele, vi uma pessoa liiinda, beijei o cara. As meninas passaram a noite tirando foto nossa (não tinha Orkut ainda, graças a Deus), e da outra beijando o Tomba, um cachorro sarnento que ela encontrou na areia. Sabe esses cachorros da Volta dos Mortos-Vivos? Esse Iglu era muito poderoso. A nega passou a festa com o bicho no colo, depois levou pra casa, e o Tomba ficou lá, virou o mascote da turma…

Mas tudo mudou. Hoje quando a gente se encontra, a única coisa em comum são essas histórias. Pelo menos 85% da conversa é lembrar, os outros 15% sobram pra perceber que nenhuma tem mais nada a ver com a outra. A mais putona virou toda certinha, a mais santinha virou uma puta chata… reclama da empregada, da babá, sabe essas coisas? E justo a do Tomba tá igualzinha. Viraram duas dondocas vestidas de onça. Depois tem três solteiras que só falam de um bar tal cheio de griiingo. Elas se empolgam. Ah, os italianos! Sério? Os italianos? Ah, brasileiro é tudo careta! E nós da outra ponta, casadas com brasileiros, ficamos quietas.

Por fim, alguém retorna às lembranças do Guarujá, quando roubaram nossos tênis na feirinha, e dito isso, eu pago a conta. Chego em casa, vejo meu filho dormindo pela babá eletrônica, me aninho nos braços do meu marido careta, e volto a sentir o quanto a vida é boa.