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#17FéArteArtes VisuaisCidades

Donald e o deserto

por Tomás Biagi Carvalho

Julia Cameron, em seu livro The Artist’s Way, diz que criatividade é fé, e que temos de ser fiéis a essa fé para que estejamos dispostos a compartilhá-la com os outros, para os ajudar e sermos ajudados em troca. Ela propõe um programa de doze semanas para aquele que está com sua criatividade bloqueada, para que se conecte a algo maior, e para que deixe seu Deus trabalhar através você.

Marfa é uma pequena cidade no meio do deserto no velho oeste texano, onde você pode andar cem quilômetros de carro e não encontrar absolutamente ninguém. Lá, devido à vastidão e à superfície plana, entende-se claramente que a terra é redonda, e isso, junto com o espírito independente you can do it texano, cria uma atmosfera muito fortalecedora.

No começo dos anos 1970, Donald Judd estava frustrado com os pequenos espaços expositivos das galerias de Nova York, e com a quantidade de gente que ia para o Soho, onde morava. Em 1971, se muda com a família – e com toda sua produção artística – para Marfa, para construir um dos seus mais ambiciosos projetos até então. “Acho que gosto de menos gente, e mais espaço”, disse. Ao chegar à pequena cidade de 1900 habitantes, comprou dezesseis prédios decadentes, uma base militar desativada inteira e três ranchos, que juntos somam mais de 45 acres. Na antiga base militar, Judd transformou os dois gigantescos hangares principais da propriedade em uma catedral de arte moderna.

Paredes de vidro fazem com que a intensa e plácida luz do sol texano ilumine sua série de caixas de alumínio feita especialmente para o local. O conjunto de cem caixas é hipnotizante. Judd construiu a Fundação Chinatti no deserto, com o intuito de acalmar o excesso de emoção nas artes das gerações anteriores a ele, mas o silêncio ensurdecedor dos hangares e as cores plácidas do deserto refletidas no alumínio têm uma carga emocional muito maior que qualquer tela pintada de vermelho.

Em seu manifesto Specific Object, Donald defende que a arte deve existir por si própria. Ou a obra fala com você quando a observa, ou não. Simples. Para ele, o espaço fazia parte da obra, tanto que fez trabalhos específicos, não só para os galpões em Marfa, mas para outros lugares também. Sua obra completa é formada pelas caixas, o galpão, a luz do deserto e a paisagem de fora.

Contra a instituição museu, Judd não acreditava que seus trabalhos precisavam de placas com títulos, muito menos com explicações. Nas fundações em Marfa, o próprio guia é quem tem a chave de todos os pavilhões, e quem os abre para os visitantes. Judd pensava que a grande arte estava nas atividades domésticas diárias, no convívio com a família e no diálogo constante com seus filhos. Por isso, em todos os cômodos de seus prédios, sejam espaços de trabalho ou de moradia, havia uma cama, onde seus amigos quando o visitavam dormiam rodeados de seus trabalhos. As atividades diárias eram melhores se feitas rodeadas por arte. Por isso, também, a importância de manter tudo como ele deixou – o que as fundações fazem com rigor e maestria. Cada objeto, móvel, obra de arte e vestimenta deixadas por ele estão exatamente onde foram programadas para estar, pois criam uma relação entre as coisas e as pessoas que ali vivem/passam. No museu tem-se uma relação passiva com a arte, mas não ali.

O minimalismo, com sua mensagem direta, não foi apenas um movimento artístico. Diferentemente das religiões, com todos os seus códigos e ruídos, propõe-nos que nos livremos do desnecessário. Tampouco simples – diria aí estar sua importância –, faz-nos aparar arestas e chegarmos ao essencial. As formas puras de seu trabalho, que resultam de uma radical simplificação, dos materiais e das cores, abrem um canal de comunicação direta e sem devaneios com o da fé. A mensagem existe por si só, e você simplesmente acredita, assim como Deus, sem maiores complicações.

Judd não traz sentimento religioso para entender o trabalho. Deus e fé seriam abstrações que distraem de experiências diretas. Mas entendo que seja bastante natural ter esse tipo de reação, e começar a pensar pelo caminho do grande caráter da arquitetura e dos trabalhos.

Fé é simplesmente um sentimento de que “algo maior” está presente. Acredito também que um outro tipo de fé pode ser aplicado ao seu trabalho: a fé que as pessoas podem entender e por meio da qual se conectar a ele, sem referências a objetos existentes ou representações. Judd acreditava que as pessoas conseguem enxergar os trabalhos pelo que são e significam no momento em que são apreciados.

Através da sua proporção meticulosa e síntese da forma, junto com o deserto, com seu espaço e vastidão, Donald Judd me conectou a algo maior.

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