Beleza é poder. Em razão disso, artistas e recursos foram mobilizados para levantar pirâmides, construir templos, moldar exércitos em terracota e erguer edifícios que tocassem o céu. Talvez fosse para impressionar os deuses. O mais provável é que fosse para evidenciar – a súditos e potenciais inimigos – o domínio e a perenidade de quem mandava. Em Roma, centro de todo o poder no antigo Mediterrâneo, não foi diferente: a velha cidade foi pontilhada de monumentos que invocavam a autoridade imperial. Essa tradição sobreviveu ao declínio do Império e a seu melancólico e trágico fim: a Igreja, que se consolidou como herdeira do poder de Roma, incorporou tal lógica até assenhorear-se quase completamente da produção artística ocidental. Para tanto, algumas questões de ordem teológica precisaram ser enfrentadas.
A Igreja sempre se equilibrou entre dois conceitos aparentemente inconciliáveis a respeito da beleza, o que provocou a alternância de fases de austeridade e de desmedida fantasia. De um lado, alguns religiosos viam nos ensinamentos e no sacrifício de Cristo a negação de qualquer desejo mundano ao prazer estético, devendo a obra de Deus ser celebrada pelo ascetismo e pela renúncia. De outro lado, houve aqueles que identificavam a Igreja como a prolongadora, na Terra, da criação divina. Essa continuação da obra de Deus deveria ser feita, portanto, à altura d’Ele. Tal visão prevaleceu a partir do final da Idade Média e teve, em Roma, o cenário ideal para concretizar-se.
A natureza foi generosa com Roma. O clima ameno, o relevo variado e a abundância de bons materiais para a construção – como o travertino – facilitaram o trabalho de artistas e arquitetos. Os vestígios da antiga civilização romana foram fundamentais para a criação da Roma atual, seja como fonte de inspiração, seja, mais prosaicamente, como estoque aparentemente inesgotável de material para as igrejas e demais construções da cidade. Essa autofagia, ao mesmo tempo em que destruiu, ajudou a conservar muitos elementos das antigas construções, como colunas, pavimentos e esculturas.
A Roma que chegou até nós, com suas cúpulas, pórticos, colunatas e terraços, é, fundamentalmente, a cidade barroca renascida de dois eventos, relacionados entre si, que abalaram profundamente a cidade no século XVI. O primeiro deles, de natureza teológica, foi a negação da autoridade papal pela Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero em 1517. O segundo, o saque de 1527, quando tropas hostis ao Papa Clemente VII tomaram a cidade, pilharam-na e incendiaram grande parte de seus edifícios. Muitos dos invasores, recém-convertidos às teses reformistas, descontaram em Roma todo o ódio que nutriam contra o Papado e contra os excessos sensuais da Igreja Católica. Em resposta a essas agressões, que interromperam a fervilhante cena artística renascentista local, a cidade foi reconstruída a partir de uma nova concepção estética, em que as contradições do tempo seriam transpostas para a arte. Essa é a Roma de Bernini, Borromini, Caravaggio e Pietro da Cortona, entre tantos outros que emprestaram seu talento para assombrar o mundo.
Há quem acredite que o valor estético da arte religiosa esteja em sua natureza transcendental: o artista daria o melhor de si para celebrar a obra de Deus. Essa tese não se sustenta diante da vaidade indisfarçada dos grandes mestres e da vida pouco cristã que muitos levavam. Provavelmente, viam na Igreja o único mecenas disponível. Na outra ponta desse casamento de interesses, a Igreja Católica recorria ao velho expediente de empregar a beleza como instrumento de projeção de poder. A filha dileta desse casamento de interesses é Roma. Eterna, enquanto dure.