Em 1952, Guimarães Rosa acompanhou oito boiadeiros em uma viagem pelos caminhos do sertão de Minas Gerais. Esse foi o início de um dos mais importantes livros da literatura brasileira: Grande Sertão: Veredas (1956). Inspirado pelo universo do escritor, e no cenário vivido por Riobaldo, é que minha experiência pelo sertão se inicia — mas sem pensar em um fim, pois, como diz o próprio Guimarães Rosa: sertão é dentro da gente.
A região está muito diferente do que foi há mais de sessenta anos, já não se encontram veredas vicejando vida pelos caminhos; e os surubins, uma vez em abundância ao longo do rio São Francisco, hoje estão escassos.
Seu Norberto e o rio São Francisco são um só. Desde o primeiro momento em que nos recebeu, com um grande sorriso no rosto, em Três Marias, foi possível sentir que para ele não há separação entre natureza e homem. O que o rio ensinou a Seu Norberto não se aprende nas linhas de nenhum livro, e isso foi o que mais deu forças para ele ser um ribeirinho militante consciente e respeitado por todos que já o encontraram um dia.
Na comunidade quilombola de Ribanceira em São Romão, Vilson foi chegando com sua bicicleta e, num momento, encostou perto de uma árvore, ficando em silêncio e observando. Sua curiosidade acompanhada de um olhar sonhador aos poucos se mostrou tão amigável como uma pessoa próxima da família. E deve ser isso viver em Ribanceira: uma grande família. Mas uma família que traz no sangue a resistência da história quilombola como força vital para superar todas as adversidades cotidianas.
Antes das 5h, ainda escuro, o horizonte começando a clarear o dia, descendo as margens do rio São Francisco na altura de São Romão, encontramos Seu Vital e seu barco prontos para começar a lida diária. Assim começava um dia quente, mas com muita sombra, conversa e barus impossíveis de contar. Depois fiz o convite: “Seu Vital, topa fazer uma foto no seu barco na beira do rio São Francisco, bem como te conheci hoje pela manhã? Se for muito cedo vou entender…”, e a surpresa na resposta veio na afirmação positiva, com a cabeça, de Seu Vital: “Essa hora pra mim o dia já começou faz tempo, tou acostumado.”
Valdemiro criou as três filhas através do artesanato. Conversando e trabalhando, no começo não deu muita atenção, mas aos poucos foi se abrindo e se mostrou tão acolhedor como todas as outras pessoas. Nos detalhes do trabalho ele vai mostrando e explicando, e noto: nas mãos, na fala e no olhar, o amor e dedicação que tem pela arte transbordam e causam admiração.
Seus Zezo é, com certeza, o maior exemplo de que é possível buscar um equilíbrio entre tradição e modernidade. Nos Vãos dos Buracos, onde seria o Liso do Sussuarão, andamos pela mata até chegar a um olho-d’água. Eu, impressionado, matando a sede, tento achar palavras para explicar o momento. Seu Zezo sabe que para algumas coisas, na natureza, não há palavras, e fica em silêncio.