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São Paulo Riviera (Sofia)

por Kathleen Maccaul

Hotel Banri
Liberdade

Sofia Othani estava se sentindo nebulosa. Tinha parado de contar os saquês quando ela e seu ex-marido decidiram pedir uma garrafa. Perguntou se estava corada. Levou as mãos ao rosto para sentir suas bochechas. “Não se preocupe”, disse Lorenzo. “Ainda não começou. Você está bem”.

A primeira refeição com o novo namorado de Melissa. Rato. Que tipo de nome é esse? Ele não tinha respeito pelos pais dela, por decoro, os braços em torno da filha deles, que estava radiante, feliz. Sofia se perguntou se ele a tinha drogado. Ele não tinha nada da graça de Melissa, nada de sua beleza. Ele tem um carrinho de cachorro-quente. De vez em quando, sua mão surgia rapidamente e fisgava seu cocktail de coco, do qual tomava um longo gole.

“Cachorro-quente dá dinheiro. Dá mesmo. É um clássico, né? Clássico São Paulo”, ele disse, “mas não vamos parar com o carrinho. Vamos expandir. Pegar um mercado mais alto escalão. Vamos tomar o antigo bar Riviera, na Avenida Paulista. A Melissa não vai passar fome. Não mesmo. Sei que ela ama comida.”

Rato deu risada e deslizou sua mão do ombro acetinado de Melissa, ao longo de seu braço fino e moreno. Sofia engoliu e desviou o olhar.

“O bar Riviera? O verdadeiro Riviera? O antigo?”, disse Lorenzo, deixando seu devaneio.

Rato se endireitou.
“Sim, o antigo, mesmo.”
“Era famoso. Antigamente. Minha mãe falava sobre aquele bar. Meu pai levava ela lá”, disse Lorenzo.
“Uma vez”, disse Sofia.
Lorenzo fez uma careta.
“Pertencia a uma família de Amalfi. Era um lugar fino”, ele disse.
“E vai ser fino de novo”, disse Rato. “Como antigamente. Como sua filha. Ela só merece classe, essa menina. Não me incomodo em te dizer. Ela é uma menina linda.”

Sofia mordeu o lábio e tentou não encarar. Quem era esse menino? Como que uma criança conseguiria gerenciar um imóvel privilegiado no centro da cidade? Um carrinho de cachorro-quente era uma coisa. Mas reabrir o antigo Riviera? Bem na Paulista? Onde o Rato conseguia seu dinheiro?

Sofia segurou os palitinhos pronta para um niguiri de salmão, mas encontrou o prato vazio. André, o amigo de Rato, tinha arrebanhado os últimos pedaços. Seus braços envolviam seu prato e sua cabeça estava abaixada. Ele comia de forma constante, ocasionalmente lançando olhares sorrateiros à mesa. Zona Leste, pensou Sofia.

Sofia olhou para seu relógio. Como só haviam passado quarenta minutos? Talvez a bateria estivesse fraca. Ela escutou pela batida do segundo.

Justo quando confirmou que o tempo estava fluindo como sempre, tudo se acelerou. Um jovem veio até a mesa e falou com Rato, falou para ele sair. Um tiro. Sofia viu o reflexo de dois homens no espelho, que rachou e caiu, estilhaçando no chão. Um grande e um pequeno, vestidos de maneira comum, com exceção da meia calça preta cobrindo suas cabeças e os revólveres que empunhavam. Enquanto todos gritavam, Sofia virou para vê-los de verdade.

“Todos no chão”, gritou o homem menor.
Enquanto ficava de joelhos, Sofia reparou no vinco da calça jeans do homem menor, se perguntando que mulher passou esse jeans com tanto cuidado.

“Todo mundo cala a boca”, gritou o homem maior. Ele vestia uma camiseta apertada que exibia os músculos. Ele era forte. Deve ir a uma academia, pensou Sofia. Deve ter amigos que treinam com ele. Ela se perguntou se eles sabiam o que ele fazia.

O restaurante estava silencioso. De vez em quando um grito escapava debaixo de uma das mesas.

“Fiquem no chão. Não se mexam. Não tentem usar o celular senão vão levar tiro”, disse o homem menor. “Vocês no fundo, os sushimen com as facas, soltem as facas e venham para a frente.”

Uma pausa. Silêncio. Um tiro disparado contra o teto baixo. Quatro chefs vestindo quimonos, mãos na cabeça, saíram de trás do sushi bar.

Os passos do homem maior ecoavam pela sala conforme andava devagar por entre as mesas, movendo sua cabeça de um lado para o outro, como um professor monitorando provas. “Ele não está de tênis”, pensou Sofia. “Ele está de sapato, só sapatos fazem esse tipo de barulho.”

Seu parceiro ficava na frente, balançando sua arma de um lado para o outro, observando. Vestia uma camiseta que dizia Keep Calm and Carry On. Sofia não achava que ele entendia o que estava escrito na camiseta. Ela se perguntou como foi que ele acabou vestindo essa camiseta hoje. Talvez fosse apenas a primeira camiseta em sua gaveta.

Melissa estava perto, embaixo de uma cadeira, sua mão estendida. Ela estava tentando encostar no Rato, mas ele estava encolhido em si. André estava deitado ao seu lado, se remexendo desconfortável no chão. Ele parecia alheio ao perigo em que se encontrava; algo não estava certo com aquele menino. E Lorenzo. Onde estava? Sofia percebeu que ele estava segurando a cabeça dela.

O homem parou em frente à mesa deles, em frente ao Rato, deitado de lado, olhos bem fechados, seu cocktail de coco derramado como uma nuvem.

“É você, não é? Você é o sobrinho do Coelho.”
Claro, claro, pensou Sofia. O Coelho. Rato cerrou os olhos e não se mexeu.
“Preciso pegar seu RG? Sei seu nome verdadeiro. Francisco Moraes. Seja homem, Francisco.”

Rato manteve os olhos fechados. O homem suspirou e bateu o pé duas vezes. Sofia estava cara a cara com os sapatos agora. Sapatos pretos, pesados, com cadarços. Ela conhecia esses sapatos. Sapatos de polícia. Ela achou que esses dias tinham terminado. Era para terem terminado.

“Vai dificultar, né moleque? Fica de pé, vamos lá pra fora.”

Os homens armados levantaram Rato pelo braço. Ele voltou à vida, se debatendo, tentando ficar no chão, virando um peso morto. Ele abriu os olhos e Sofia viu, pela primeira vez, que eram de um castanho delicado. Ele tinha olhos lindos.

“Por favor, não. Não sou ninguém. Por favor, não faça nada comigo.”
“Ordens, menino, vamos. De pé. Você sabe o que está acontecendo.”

Melissa gritou. Rato olhou para ela, estendeu a mão. Melissa tentou alcançá-la, mas o homem empurrou Rato para longe. Sofia pulou e arrastou ela de volta para o chão. Ela chorou e gritou e estendeu a mão novamente. Rato estava tentando se desprender do homem, lutando, tentando se aproximar dela. Houve mais um estrondo quando o homem menor atirou em outra parede espelhada.

“Sai de perto dele”, ele gritou, enquanto Rato era arrastado para a cozinha.
“Mãe, faz alguma coisa!”, gritou Melissa.

Sofia não queria fazer nada. Tudo que queria fazer era manter a cabeça no chão, com a mão de Lorenzo protegendo ela. O revólver dela estava na bolsa ao seu lado. Isso era muito perigoso.

“Mãe, por favor”, implorou Melissa.
Ela ficou de pé.
“Pare. Polícia”, ela gritou.
O homem arrastando Rato ignorou-a. O homem na frente riu alto. Foi aí que André ficou de pé e apontou a arma para o homem que tinha seu amigo pelo pescoço.

“Morra maldito”, ele gritou, atirando quatro vezes.

Ele errou feio. Gritos e gritos e gritos. O homem pequeno na frente balançou de um lado para o outro, confuso. Ele atirou no ar. O homem arrastando Rato pegou a arma e atirou em direção ao André, mas errou. Ele então virou sua arma para o menino em suas mãos e atirou em sua cabeça, lá mesmo no restaurante. Sangue nas mesas e pratos, nos copos e na comida.