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1915 Bloodshed and Oppulence

por Antonio Biagi

Uma apresentação Thimister de almas e vestidos

O designer holandês Josephus Melchior Thimister prepara sua coleção “1915 Bloodshed and Oppulence” para a Semana de Alta Costura de Paris em janeiro de 2012

O desenvolvimento da coleção nasceu do desejo do artista de compartilhar sua visão da equação arte e moda. A coleção tem algo em comum com o que se costuma ver nas passarelas: glamour e luxo, mas não se trata apenas disso. Sua criação se difere daquela em que o luxo e glamour sobram na mesma medida em que falta conteúdo com significado. O que se verá no desfile de Thimister é uma  apresentação de almas e vestidos. As raízes ele busca em seus próprios clássicos e cria reinterpretações para o contexto atual.  A proposta é a de criar reflexões que conduzam a uma nova abordagem sobre a construção.

Reflexões sem trégua nestes tempos de insegurança, catástrofe econômica e desolação ambiente. O caos vivido em 1915 pode ser facilmente transferido à nossa época, um tempo dominado pelo sofrimento, pela falta de esperança e pela sobrevida. 

O tema permite um distanciar necessário e uma análise de nossa sociedade que tenta encobrir o vazio, mas que, no fundo, anseia por uma vida mais plena, mais rica, em que supostamente a espiritualidade é valorizada. 

Composta de duas partes, o desfile alia o componente militar à alta costura.

O componente militar cospe explosões de branco sujos de sangue sobre almas imaculadas, um exército verde, reminiscências dos Cossacos Russos, meninas que se arrastam no sangue, assombradas pela falta de esperança. Um movimento sem ordem nem guia, buscando uma vida melhor, ao longe, em outras margens. 

Variações de verde que se esfregam a peles verme-lhas como que manchadas de sangue e bordados que colocam lado a lado o branco e manchas Jackson Pollock.

O componente Alta Costura Russa reflete uma aristocracia intocável e neurótica que ignora toda e qualquer responsabilidade, protegida hermeticamente do rude mundo exterior. Ela se esconde em um universo de torres de marfins, Vogues de luxo e atitudes imperiais. Desliza desdenhosa sem mostrar o menor sinal de medo ou fragilidade. Nuances imperiais de vermelho e creme enriquecidas por raios de prata dos ‘“vestidos samovar’’.

Os casacos de raposa branca desafiam o frio e o o-lhar dos pobres, mas, no final, as belezas Russas acabam por cair em desgraça junto aos primeiros soldados vítimas da guerra. 

A sociedade, conquistadora e vítima de si própria, propaga um misto de esperança e  aflição que contrasta com a opulência da extrema beleza e do luxo. Príncipes e indigentes, Botticellis bálticos e fantasmas rurais vivem juntos na tempestade e no vento.

O sangue e a lama, a sobreposição dos séculos, a fusão dos países, as lembranças da guerra, lufadas de beleza e riqueza, o incenso de profundas crenças ortodoxas que defumam as almas como faria uma voz de tumba.

Sobre o artista

Formado pela Academia Real de Belas Artes de Antuérpia, Josephus Melchior Thimister obteve diploma SUMA CUM LAUDE da seção de moda da Academia Real de Belas Artes de Antuérpia em 1987. 

Após passagens por Karl Lagerfeld e Jean Patou Patou, trabalhou como decorador antes de ser nomeado diretor artístico da Maison Balenciaga. 

Sua visão apurada, quase sucinta, mo-dernista, o fez ser considerado o sucessor natural do criador de visão estrutural. Durante os cinco anos em que dirigiu a Balenciaga, Thimister deu um sopro de modernidade à marca,  antes de criar a sua própria,  em 1997, com coleções de prêt-a-porter e alta costura.

Pode-se dizer que sua a primeira coleção prêt-a-porter foi considerada pré-couture: nela, uma edição limitada de 30 vestidos, todos pretos ou azul-escuros, que, à primeira vista, podiam até parecer simples, mas quando analisadas de mais perto, revelavam uma técnica de alto nível. Tecidos como crepe e seda apresentavam caimento impecável. Convidado pela câmara de alta costura, que buscava novos talentos, Thimister apresenta sua coleção com modelos que mostra um approach dife-rente de tudo o que já se vira no mundo da alta costura e demonstra sua singularidade quando o comparamos a nomes conhecidos da moda.

Seu minimalismo, contrário ao barroco (que é considerado, erroneamente, sinônimo de alta costura) confere um lado prêt-a-porter à alta costura.

O público se surpreendeu pela modernidade e o aspecto aparentemente simples das silhuetas. 

No entanto, criar modelos se mostrou ser uma das artes mais difíceis de se realizar. A técnica e o corte perfeito saltam aos olhos, mas isso não é tudo. 

As criações de Thimister exalam leveza e poesia da qual emana uma elegância desprovida de frescura. E ele fez mais: ao utilizar materiais pouco convencionais, abriu mão do tradicionalismo puro para inovar. Quando paramos para pensar em sua forma de criar coleções, as noções do que é o “efêmero” nos chega ao espírito.

Essa mesma noção nos é também evocada pelos títulos que o próprio artista dá a suas criações como “a luz do norte e o modo como ela se reflete”.

Em 1999, com o tema “O nascimento do pequeno príncipe e o paraíso perdido”, Thimister assinalou a chegada da alta desconstrução do mundo sagrado da costura ao reciclar tecidos rústicos e acrescentando acabamentos de alta costura, em rendas de seda e cetim. 

Antes de Thimister, nunca ninguém havia criado peças como as dele. Sua característica vanguardista se ilustra pela utilização de materiais como forros esgarçados e redobrados, pelo uso de materiais sintéticos como plástico e látex e a maneira como associa o uso de materiais, ora ultrasofisticados, ora brutos. Aí ficam evidenciadas suas múltiplas raízes:  belgas, nórdicas, poéticas, ligeiramente surrealistas que podem ser facilmente postas em oposição.

Sentimentos contraditórios se exprimem um sobreposto ao outro.

Thimister, que nasceu em Mastricht, nos Países Baixos, mora hoje em Paris.  Foi diretor artístico da marca italiana Genny e trabalhou para Charles Jourdan, entre outras diversas marcas de prêt-a-porter como consultor.