No princípio era a verba. A terra. A terra era a verba, o capital. E o dono da terra era o senhor. Há quem diga que uma maçã fora de hora era motivo para expulsão. Minha terra, minhas regras.
Com o tempo, as coisas mudaram. Não que os donos da terra tenham assentido. Mas das transas entre os expulsos, os preteridos, nasceram novidades. Ciência, tecnologia. Surgiu a máquina, que virou capital.
A partir daí, a velocidade e a potência de tudo aumentou muito. Inclusive o tempo passou a ser capital. E a indústria já não dependia só da máquina. O poder de transformar a cultura passou a reger o capital. Principalmente quando os homens se valiam de máquinas para brigar por terra, regia o baile quem detinha o poder transformador da cultura.
Na História, os parágrafos acima são inversamente proporcionais. O primeiro dura milênios. Os demais foram um suspiro. Literalmente um suspiro, intangível, imprevisível, inexorável.
E, do suspiro, fez-se a ofegância, que é o suspiro acelerado, potencializado em sua intangibilidade, imprevisibilidade e inexorabilidade. Ninguém está livre dela. Seduzidos pelo conforto proporcionado pela evolução, nos encontramos num limbo nem-nem: nem conseguimos religação com o passado, nem conseguimos aguardar o futuro.
Se antes faltava terra para alguns, depois máquinas para outros, hoje pode haver casa, comida, roupa lavada e informação para todos. Ar, para ninguém – o que agrava o problema histórico da repartição básica.
O capital está morto. Sublimado em forma de dados. A terra sem dados não tem valor. Assim como a máquina. Ou a cultura. E até o dinheiro que um dia foi líquido, ora é gasoso. Os dados sabem mais das pessoas do que as próprias pessoas.
Estamos na era do capital gasoso, que é energia, sem dúvida, mas também é tóxico. Quer dizer: já não podemos viver sem ele, mas precisamos de ar para sobreviver. Desesperadamente precisamos de ar para continuar na Terra.
O capital está morto
por Léo Coutinho