Como o reconhecimento da influência africana na filosofia grega pode auxiliar no futuro da humanidade?
A filosofia puramente grega é um mito, para além de uma construção mitológica é uma grande pirataria de conhecimentos científicos africanos, mais precisamente de Kush e Kemet (territórios conhecidos como terras pretas, atualmente Etiópia e Egito). É contundente a afirmação anterior, embora coloque em xeque os cânones da história das filosofias ocidentais.
George James afirma, em Legado Roubado: filosofia grega é a filosofia egípcia roubada, que os gregos foram proibidos de entrar em instituições africanas até 670 a.c. Os jônicos eram conhecidos como piratas do conhecimento, pelo fato de não mencionarem suas fontes e seus verdadeiros mestres (os africanos antigos). Além da influência africana na cultura grega, de acordo com James houve o roubo do legado africano de kush-kemet.
Numa perspectiva geopolítica, os gregos construíram suas filosofias a partir do que antigos africanos chamavam de “sistema de mistérios”. Segundo James, a filosofia grega é fruto deste conhecimento. Este pensamento investigava o que mais tarde na história do Ocidente (na Idade Média) irão chamar de sete artes liberais (trivium e quadrivium) como algo “inovador” no ensino. No entanto, os africanos antigos já haviam sistematizado estas artes no interior das Per Ankh (instituições) muito antes até mesmo da existência greco-romana.
As instituições da vida (Per Ankh), como eram conhecidas, receberam estudiosos e pesquisadores de todas as terras. Inclusive os pré-socráticos, os próprios Sócrates e Platão. Este fato demonstra a falsificação do pensamento puramente grego. Até mesmo Homero indica de forma minuciosa, em suas obras Odisseia e Ilíada, as viagens de Platão à Kemet (Egito antigo) e a influência africana na cultura grega. Os pensadores ocidentais sucessores fizeram esforços para inferiorizar os conhecimentos africanos, os quais serviram de fonte para diversas perspectivas da humanidade.
O discurso do Logos (razão) como fundamento da filosofia ocidental é o demarcador da universalidade e consequentemente do racismo epistêmico na antiguidade e no desenrolar da história da filosofia. O filósofo sul-africano Mogobe Ramose (2011) defende a pluriversalidade como um dos fundamentos das filosofias africanas, pois nas realidades do continente todos os povos produzem conhecimento, portanto, o pensamento racional não inicia com os gregos.
Nesse sentido, o conhecimento é atemporal, pois não somente a filosofia como também o pensamento científico não surgem com os helênicos, mas sim às margens do rio Nilo com os africanos. A universalidade induz à centralidade numa só cultura, de uma só terra, logo, apenas uma única comunidade é demarcadora de uma sistematização de conhecimento, o que na verdade é uma tautologia (uma falsa verdade). Tal discurso intelectual inclina-se à dissimulação, apagamento e homicídio de outras filosofias e outras humanidades.
O discurso filosófico hegemônico da atualidade tem como estratégia a manutenção do poder centralizado em apenas um modelo de sujeito e este modelo deve atender aos requisitos básicos, como utilizar referências gregas e sucessoras, usurpar outras culturas para legitimar seus conhecimentos, disputar com outros discursos com o objetivo de ser superior e universal. O filósofo Renato Nogueira argumenta que o conhecimento é um elemento-chave na disputa e na manutenção da hegemonia.
Portanto, qual o objetivo em apagar a fonte de inspiração dos gregos? Por que filósofos e intelectuais fazem esforços para menosprezar as contribuições do continente africano na cultura da humanidade e no desenvolvimento científico? O discurso filosófico impacta na construção subjetiva da ideia de humanidade. Logo, o racismo na filosofia moderna solidifica um projeto hegemônico e racista nas produções filosóficas futuras, ou seja, quais serão os novos cânones para o desenvolvimento de um futuro da humanidade sendo que a ideia vigente desumaniza corpos inferiorizados racialmente?
Kant e Hegel, “filósofos” iluministas, conduzem discursos, ditos filosóficos, que desumanizam e visam à negação da capacidade cognitiva da produção filosófica dos africanos e seus descendentes. Érico Andrade, no texto “A opacidade do Iluminismo: o Racismo na filosofia moderna”, dimensiona tais discursos. Neste ponto, percebe-se que o conceito de humanidade ou cidadania envolve a grande questão: onde “nasceu” a filosofia?
A grande analogia atribuída a Sócrates como parteiro de ideias é muito semelhante às narrativas filosóficas africanas do processo de conhecer a natureza das coisas. A linguagem figurativa é algo presente nos discursos filosóficos africanos. Por exemplo, Amen-om-ope, filósofo da 21ª dinastia, quando fala sobre a ética da serenidade ou virtude do silêncio carrega em seu discurso a figura da barca como degustação, experimento ou imersão. Logo, a barca se refere ao discernimento junto com outros elementos como o rio, que simboliza as adversidades da vida, da dúvida e do mistério.
O processo de conhecer ou o “parto da ideia” é um fenômeno presente nas Per Ankh. Veja bem, o processo de conhecimento na antiguidade africana continha etapas que eram extremamente profundas, a primeira etapa que muitos dos gregos antigos sequer alcançaram era chamada de “mortais” (como chamavam os africanos), que se refere à frase atribuída a Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Nessa perspectiva, conhecer a si era o objetivo maior. Além disso, era o momento de instrução, introdução e experimento.
A segunda etapa do acesso aos “sistemas de mistérios” era chamada de Nous, ou inteligência, ou seja, o momento em que o estudioso conhece a si e inicia o parto da ideia. Já a terceira etapa se refere à grande atribuição socrática, o que na verdade é um processo de aprendizagem africano antigo (a maiêutica). Pois na etapa chamada de “filho da luz” é justamente quando nasce o conceito e a ideia, ou seja, a sistematização da produção de conhecimento. Então, quem são os verdadeiros parteiros da humanidade?
Homens e mulheres africanos da antiguidade são os verdadeiros parteiros da ideia da humanidade, pois além de sistematizar um complexo método de investigação filosófica ensinavam as sete artes liberais que direcionam o sujeito a uma moralidade justa e equilibrada em Maat (verdade) e com o Cosmos (universo). Algumas narrativas desonestas carregam consigo o discurso de que os africanos colonizaram os gregos, o que de fato é uma falsa verdade, justamente porque a colonização é um fenômeno que guarda uma herança nórdica ocidental.
Outra falsa verdade é a inferiorização do corpo entre os africanos. Ao contrário de Platão, que sustenta a inferiorização do corpo com relação ao conhecimento verdadeiro, os africanos antigos acreditam na harmonia entre as dimensões do Ser e o conhecimento de si. Ou seja, há uma tentativa de assimilar conhecimentos africanos aos conhecimentos gregos de maneira integral por conta do legado africano roubado, porém muitas produções filosóficas não são integralmente africanas em territórios gregos. O que isso quer dizer?
Quer dizer que o alicerce das comunidades africanas antigas (Camítica) é ntr (espírito divino), o que mantém a dialética e integridade entre corpo, mente e espírito, segundo Afua (2021). O corpo faz parte do fazer filosófico, nesta perspectiva o parto é, de certa forma, mitológico e isso não descaracteriza a sua fonte e profundidade filosófica. Uma análise de maneira geral do nascimento de Heru (Hórus), por exemplo, mensura a tese.
Segundo Emanoel Araújo (2000), na literatura dramática, Isis, para salvar seu filho da perseguição de Seth (que matou Osíris em 14 pedaços), invoca a proteção divina a Atum. Então, Isis proclama a sentença de proteção e por fim instrui seu filho prestes a nascer. De maneira analítica, na perspectiva filosófica africana, Hórus seria o conhecimento e foi sentenciado pela proteção divina. O pai de Hórus (Osíris) carrega consigo a simbologia da restituição ou renovação da vida, percebemos que Osíris renasce, além disso, seu filho (conhecimento) nasce a partir da atitude de Isis (a portadora da cultura). Compreendemos então, que o conhecimento surge com o renascimento. Isis carrega consigo o título de portadora da cultura, o símbolo matrilinear. Por fim, Seth simboliza a escuridão, a desordem e a irracionalidade.
Contudo, o processo de parir uma ideia é tão complexo quanto o significado de filosofia, que segundo Obenga (2004) é uma espécie de pedagogia. O processo filosófico é desconfortável e requer o renascimento, ou seja, a reinterpretação ou reelaboração do conhecimento instruído pela cultura. A não sistematização de conhecimentos leva à não compreensão da natureza das coisas e impacta no futuro da humanidade gerando o caos e a desordem. Portanto, o reconhecimento da influência e contribuição das filosofias e culturas africanas na cultura da humanidade possibilita a reinterpretação e reelaboração da pergunta “o que é a humanidade?”, assim legitimando e garantindo a qualidade de vida e intelectualidade africana e de seus descendentes na produção filosófica e científica no presente e no futuro.