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Arte

Quando a arte pode curar?

Uma música para um coração partido. Um filme para quem está de luto. Um livro para reorganizar os pensamentos após um trauma. Há milênios, a arte, em suas diversas formas, acompanha a humanidade, exercendo um papel fundamental na formação emocional. O Rei Leão, por exemplo, fez muitas crianças chorarem e sentirem emoções inéditas. Ao provocar essas primeiras descobertas emocionais, a arte sensibiliza e também ajuda a dar forma ao que sentimos. E, depois de ajudar a dar nome a esses sentimentos, a arte se torna também um possível caminho para a cura.

De pinturas a músicas, de danças a poemas, o consumo da arte abre caminhos para a compreensão das emoções humanas. Para muitos, é um meio de autoconhecimento e superação — a ponto de se tornar ferramenta em práticas terapêuticas que fazem dela sua principal aliada.

Como sugerido por Viktor Frankl (1905-1997), psicoterapeuta e filósofo austríaco, a expressão criativa é essencial na busca de um propósito, especialmente em momentos de sofrimento. No livro Em Busca de Sentido, de 1946, Frankl explora como a arte pode transformar a realidade e ressignificar o pior sofrimento. Sobrevivente do Holocausto, ele entendeu a importância da busca por sentido e argumentou que a arte cria uma narrativa de enfrentamento sem a qual é difícil viver. Fundador da logoterapia, abordagem psicoterapêutica que se baseia na premissa de que a principal força motivacional do humano é encontrar sentido para a vida, Frankl acreditava que a arte é uma poderosa aliada nesse processo.

No começo do século passado, em 1916, o termo “biblioterapia” foi usado pela primeira vez. O responsável foi o ensaísta estadunidense Samuel McChord Crothers (1857-1927), que escreveu uma matéria satírica para o The Atlantic, descrevendo o encontro com um doutor que lhe recomenda ler mais livros. O conceito é simples: livros e textos literários como instrumentos para aliviar o sofrimento emocional. Recentemente, a abordagem ganhou uma maior visibilidade, não só por “terapeutas do livro” que usam as redes para divulgar seu trabalho, mas também com a ascensão de clubes do livro feitos por celebridades bibliófilas, como a cantora Dua Lipa, a atriz Emma Roberts e o influenciador Felipe Neto

Ella Berthoud, uma das biblioterapeutas mais reconhecidas do mundo, enfatiza como a literatura pode ajudar as pessoas a lidar com questões profundas, como a depressão e a ansiedade. “A biblioterapia”, diz um dos textos em destaque no seu site, “é a arte de prescrever ficção para as dores da vida. Como biblioterapeuta, escolho ficções que sejam relevantes para a sua vida, seus hábitos de leitura e sua situação, com o objetivo de ajudar, curar ou provocar.” Berthoud usa livros como uma “prescrição” terapêutica, escolhendo obras que ajudam os pacientes a se conectar mais profundamente com suas emoções e a descobrir novos significados para situações desafiadoras.

As ideias defendidas por Frankl, Crothers e Berthoud se aplicam a todas as formas de arte. Poderíamos muito bem estar falando de teatroterapia, fototerapia, cineterapia… Todas teriam o seu valor. Ainda mais se pensarmos que métodos podem ser combinados, ampliando seus efeitos, inclusive no aspecto prático. Foi o que mostrou, de forma brilhante, Nise da Silveira (1905-1999), pioneira da arteterapia no Brasil, ao revolucionar o tratamento psiquiátrico, substituindo práticas invasivas por abordagens centradas na expressão artística.

No entanto, a cura às vezes não exige apenas ação, mas entrega. E tempo. Livros, músicas, filmes têm o poder de nos envolver sem pressa, sem exigir respostas imediatas. Na aparente passividade, há movimento. E é nesse movimento sereno de absorção, sem pressa de entender ou mudar o sofrimento, que muitas vezes encontramos o caminho para a cura.