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#54EncantoSociedade

O brilho das telas e o apagar da infância: uma conversa com Cristiano Nabuco

por Gustavo Freixeda
“Por trás desses joguinhos, existem mecanismos de persuasão que fazem você passar mais tempo do que gostaria, acionando sistemas dopaminérgicos do cérebro, quase como se fossem substâncias ilícitas.”

Pensar em infância é pensar em sonhos, em encantamento, num mundo cheio de mistérios, pronto para ser explorado e reinventado — ao menos para quem teve o privilégio de não ter nascido nos últimos quinze ou vinte anos. Afinal, ser criança e adolescente hoje em dia significa não conhecer a vida sem celulares e redes sociais. Ainda que o digital seja um símbolo de progresso, ele também representa um fardo enorme na vida emocional das pessoas, em especial a de quem ainda está se formando como indivíduo. Se não houver algum tipo de resistência, um esforço hercúleo por parte dos pais (que em breve serão, em sua grande maioria, também de gerações que não conseguem sequer conceber o mundo sem celular), sai-se do útero já como partícipe da loucura virtual da atualidade.  

Foi-se o tempo em que o lúdico, o faz de conta e o tédio eram ferramentas de aprendizado, e em que a criança se fazia no brincar, quando aprendia a imaginar, a experimentar, a se colocar no lugar do outro.  

A presença constante de telas, que nos últimos anos se agravou de maneira alarmante, redefiniu a experiência infantil. Se a vida adulta, sabemos, já se vê em estado de alerta, que dirá então a vida das crianças que não conhecem outra existência? A televisão já foi tida como um problema. O videogame também. As brincadeiras mais típicas da infância foram perdendo espaço, é verdade, e isso não é de hoje. Mas nada é tão nocivo quanto a confluência de celular, tablet, lógica on demand, redes sociais.  

O que acontece quando a infância deixa de ser um laboratório de possibilidades e se transforma em um espaço de consumo contínuo de estímulos digitais e doses dopamínicas? Que tipo de adulto surge de crianças que conseguem o que querem a todo instante, instrumentalizando o mundo a ponto de restringi-lo ao que dá prazer, mas apequena? Sem o embate de ideias, a colisão de novas perspectivas e o confronto, não há como crescer. É da tensão que ampliamos o mundo e nossa percepção.  

Para não simplesmente ecoar o discurso do “na minha época era melhor”, conversamos com Cristiano Nabuco, doutor em Psicologia e com pós-doutorado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, que há décadas se dedica a estudar os efeitos da tecnologia sobre o desenvolvimento infantil.  

Qual é o papel do sonhar e do lúdico na infância? 

Cristiano Nabuco: Sonhar tem uma importância enorme, porque, no momento em que somos inocentes e ainda não temos uma noção clara da vida, começamos a arquitetar nosso futuro. Lembro que, quando eu era pequeno, queria ser bombeiro. De alguma forma, aquilo capturava minhas ambições. Isso se reflete em grande parte das histórias infantis, que alimentam nosso imaginário coletivo: a princesa que recebe o beijo do príncipe, a intervenção divina, o pote de ouro no final do arco-íris. Elas passam a ideia de que, a partir dos nossos esforços, um dia podemos alcançar a felicidade. Essa fase inicial é fundamental, pois nos ajuda a desenvolver novas camadas de entendimento da vida a partir da realidade que temos. 

O que se perde quando o lúdico é substituído por estímulos contínuos? 

As telas cooptaram a infância, levando a criança para um mundo adulto que antes ela só podia explorar de forma lúdica. Antes, brincar nesse mundo adulto era experimentar jogos e atividades com liberdade. Hoje, por trás desses joguinhos, existem mecanismos de persuasão que fazem você passar mais tempo do que gostaria, acionando sistemas dopaminérgicos do cérebro, quase como se fossem substâncias ilícitas. Temos hoje uma expectativa de vida maior, e alguns chegam a dizer que a adolescência se estende até os 30 anos. Cronologicamente isso até faz sentido, mas emocionalmente estamos vivendo o que eu chamaria de “morte da infância”. A criança perdeu a ingenuidade necessária, a estimulação da vida subjetiva, o contato com histórias contadas, o “era uma vez” lido pelos pais. Hoje, cada um está com o celular na mão, e a infância como conhecíamos deixa de existir. 

Imagino que sejam muitos, mas há algum estudo que você traria para a discussão? 

Tem uma pesquisa do francês Michel Desmurget, autor do livro A fábrica de cretinos digitais. Logo no início do livro, ele traz um exemplo muito interessante: numa pesquisa que acompanhou crianças de zero a 24 meses, aquelas que passaram apenas 50 minutos por dia em dispositivos eletrônicos, ao final de dois anos, deixaram de ouvir cerca de 850 mil palavras. Por quê? Porque estavam interagindo com telas que oferecem respostas repetitivas, muitas vezes frustrantes, mas de um modo que engaja a criança a continuar tentando. No fundo, o que acontece é uma escalada de tarefas que não contribui para o desenvolvimento real da criança. 

Antes se dizia que “as crianças de hoje só veem televisão”; depois, “as crianças só jogam videogame”. Agora, fala-se o mesmo sobre celulares e tablets. O que mudou? 

Antes, assistir televisão era uma experiência coletiva e com limites. Havia horários, supervisão e, muitas vezes, você precisava ver programas que não gostava. Hoje, tudo mudou. Você entra no quarto, pega o celular e vive em uma bolha personalizada, só vê o que interessa a você, e as plataformas devolvem aquilo que você mais gosta. O estímulo constante ativa regiões do cérebro ligadas à dopamina, como o núcleo accumbens e o córtex orbitofrontal, associadas ao prazer e à recompensa, enquanto outras áreas, responsáveis por criatividade, raciocínio lógico e abstração, ficam menos engajadas. 

Se você tem uma planta em uma janela e ela cresce apenas para o lado que recebe luz, as demais partes ficam subdesenvolvidas. Da mesma forma, o cérebro da criança habituada a respostas rápidas e estímulos constantes cresce apenas nas áreas ligadas à gratificação imediata, enquanto outras regiões não se desenvolvem plenamente. O resultado é uma geração impaciente, com pouca tolerância, menos habilidade emocional e dificuldade em lidar com frustração ou discordância. Isso se reflete até em comportamentos sociais, como na política: quem pensa diferente não é apenas discordante, é inimigo. Também afeta a vida profissional, pois essas pessoas têm dificuldade em permanecer em empregos que exigem resiliência e negociação. 

É uma equação multifatorial, mas as telas são um player importante, e cumprem um papel muito prejudicial. Ao final, fica a reflexão: evoluímos ou involuímos? 

Que transformações já conseguimos observar na forma como as crianças sentem, sonham e se relacionam com o mundo? 

Peço desculpas por parecer o portador das más notícias, mas o que estamos vivendo hoje é uma infância que praticamente deixou de existir. Crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem, por exemplo: quanto mais tempo de tela até os dois anos, pior a linguagem aos três; quanto mais tela até os três, menor a capacidade de empatia aos quatro; e quanto mais tela aos quatro, mais comprometida a habilidade de se relacionar aos cinco. 

O futuro, então, não é muito animador. 

Hoje existe uma legião de jovens que, mesmo chegando à faculdade, não conseguem seguir adiante. Falta autocontrole, falta habilidade de se relacionar, falta manejo emocional. Muitos desistem entre o primeiro e o segundo ano, e acabam sendo julgados como se fosse falta de vontade, mas o problema é mais profundo: eles foram condicionados a buscar apenas o prazer imediato, o estímulo rápido. Atendo um rapaz assim. Está no terceiro semestre agora, lutando muito para continuar. Ele me disse: “Eu não sabia que estudar era assim. Na verdade, eu nunca estudei de verdade.” E é alguém que fez um ótimo colégio. Expliquei que ele tinha passado a vida treinando tiros de 100 metros. Só que a vida não é uma corrida curta, é uma maratona. É preciso aprender a controlar o ritmo, saber dosar esforço e fôlego. Ele respondeu: “Mas eu não sei fazer isso.” E esse é o ponto: muitos jovens não sabem. 

Claro que não é com todo mundo, mas quem já tem alguma vulnerabilidade, uma estrutura familiar mais frouxa ou pouca orientação de alguém mais velho, acaba sendo engolido por esse sistema. E o vício se instala. Os chineses têm um nome para isso: “heroína digital”. 

E a dependência a essa heroína causa uma estreiteza de mundo. 

Hoje a gente vive num mundo de infinitas opções, e as pesquisas mostram que, quanto mais escolhas existem, mais confuso o indivíduo se torna. É por isso que, de certa forma, as redes sociais acabam ajudando as pessoas a tornar o mundo mais inteligível. Tudo se resume a um binarismo simples: gosto ou não gosto, amo ou odeio. Antes era diferente. Eu podia ouvir você dizer que gosta de determinado candidato e responder: “Olha, eu entendo, mas veja por esse outro lado”, e a conversa seguia. Hoje, não. Ninguém entra mais numa conversa para ouvir o outro ou repensar a própria opinião. As pessoas entram para defender o seu candidato, a sua verdade. Não há mais espaço para analisar o que o outro realmente tem a dizer. 

Há movimentos para mudar isso? Qual é o panorama mundial e nacional? 

O que temos visto, nos últimos 20 anos, é que alguns países começam a exercer controles. A Austrália, por exemplo, proibiu redes sociais para jovens com menos de 16 anos. Grécia, França e Estados Unidos também têm avançado nesse sentido. Aos poucos, alguns lugares começam a ganhar voz. Participei, no Governo Federal passado, da elaboração de uma cartilha sobre o tema. Hoje falam da chamada lei Felca, mas estamos trabalhando nesse projeto há muito tempo, há pelo menos três anos, e ainda há muito a ser feito. O problema é: onde está a saúde mental nessa discussão? Não basta restringir publicidade para crianças ou apenas reduzir impactos isolados se as próprias empresas que criaram os problemas não assumirem responsabilidades. Não é justo que problemas criados por elas sejam deixados para a sociedade civil resolver. Esse é um tema que precisa ser discutido amplamente, porque a maioria das pessoas não tem noção da gravidade da situação. A velocidade das mudanças não acompanha as respostas necessárias. Eventualmente chegaremos lá, claro, mas, até isso acontecer, fica um rastro de destruição. 

E não dá para simplesmente jogar as redes sociais fora. 

Elas têm o seu lado bom. Servem para divulgar ideias, conectar pessoas, ampliar o círculo de relacionamentos. Também dão espaço para que minorias sejam ouvidas, representadas — e isso é muito importante. Mas o problema é que essas mesmas redes usam mecanismos de vício. E, com o tempo, as pessoas perdem o controle. O que estamos fazendo com esse uso? A sensação que dá é que estamos diante de uma grande epidemia de saúde mental. 

O que fazer para melhorar, sem demonizar a tecnologia?  

Não existe uma resposta única. O que existe é a necessidade de equilibrar a rotina. Hoje, o brasileiro passa, em média, dez horas e quinze minutos por dia em frente às telas digitais. Isso equivale a 150 dias por ano. E o que isso faz? Faz com que boa parte das nossas experiências venha de um mundo sem controle. A chance de a gente se alinhar a esse ritmo, sem nem perceber, é enorme. Então, por onde começar? Jogando fora o celular? Claro que não. Mas podemos conversar. “Filho, filha, agora é hora de jantar. Vamos deixar os telefones de lado e conversar? Como foi o dia de vocês?” Uma refeição em família por semana já funciona como um fator protetivo da saúde mental. Por que tanta gente escapa para as telas? Porque lá encontra o que não encontra fora: atenção, estímulo, companhia. Então, o que fazer? Trazer isso para o real. “O que vocês estão vendo? Me mostra.” Esse tipo de troca constrói vínculo. 

Claro, nem sempre é simples. Muitas famílias vivem jornadas duplas ou triplas de trabalho. Nessas condições, é difícil criar esse tempo de convivência. Às vezes, é até mais seguro deixar o filho no computador do que na rua. Mas, ainda assim, a conversa, o olhar, o mínimo de presença… Isso já faz diferença. 

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