#6VerdeArteArtes Visuais

Moeda de troca

por Alessandra Modiano

1965, Manhattan, New York, New York, USA — Andy Warhol looking at Campbell’s soup cans in Gristede’s supermarket near his 47th street studio called The Factory in New York. — Image by © Bob Adelman/Corbis

“No futuro, todos serão famosos por quinze minutos” – declarou Andy Warhol em 1968. A então audaciosa profecia se tornou realidade nas décadas seguintes e o fenômeno da fama efêmera passou a ser referência da cultura pop, enquanto Warhol – o artista, o cineasta, o gerente de banda e o socialite – transformou-se num dos Papas do movimento artístico de mesmo nome. Dez anos depois, o próprio autor, entediado, passaria a alterar seu presságio e a dizer que “em quinze minutos, todos serão famosos” ou – sob mais uma manipulação de mídia – “no futuro, quinze pessoas serão famosas”.

Tão interessante e importante quanto a declaração acima, porém menos difundida, é a afirmação de que “bons negócios são a melhor arte”. De fato, a forma eficaz e explícita como o artista representa e comenta a cultura de massa, a máquina publicitária e o mercado em sua produção reflete essa estratégia de busca deliberada pelo sucesso. A obsessão por dinheiro e notoriedade tornou-se um fator saliente não apenas no personagem Andy, criado por Warhol, mas em toda a sociedade contemporânea.

Da mesma maneira que reinventou seus quinze minutos, seu passado era constantemente reinventado: “Eu o crio de maneira diferente a cada vez. Não é apenas parte da minha imagem não contar tudo. É porque eu esqueço o que falei no dia anterior e tenho que inventar tudo de novo”.

Andrew Warhol nasceu na Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 1928, quarto filho de uma família ucraniana emigrante. Sua infância foi conturbada devido a uma doença no sistema nervoso que o levou diversas vezes ao hospital e o fez passar grandes períodos na cama, onde começou a desenhar. No verão de 1949, então formado em desenho gráfico pela escola de belas artes do Instituto de Tecnologia de Carnegie, partiu para Nova York em busca de emprego como ilustrador. Após duas semanas de ronda nas maiores agências de publicidade e em publicações de moda da cidade, foi chamado pela conhecida revista Glamour para um importante trabalho. Rapidamente se tornou um dos maiores ilustradores comerciais dos anos 1950. Seu portfólio incluía produtos comissionados por importantes revistas e marcas de moda como Vogue, Harpers Baazar, Bergdoff Goodman e Tiffany’s & Co.

Seu sucesso é atribuído à técnica que ele mesmo criou, denominada blotted line. O artista utiliza um desenho a lápis, delineia-o com tinta e, enquanto ainda fresco, pressiona-o contra outro papel. O produto derivado desse processo encantou os diretores de arte da época, pois mantinha o aspecto espontâneo e original, como se feito à mão, agregando-lhe um ar elegante e suave.

Não obstante seu reconhecimento como ilustrador, Warhol tinha a ambição secreta de apresentar seu trabalho no cenário das artes plásticas. Queria tirá-lo das janelas das lojas de departamento e das revistas de moda para colocá-lo em museus e galerias. Assim, começou a pintar, a produzir e, nos anos 1960, a expor. Seus temas, os mitos da vida cotidiana. Sua técnica, a de reprodução em massa, em silkscreen, e em série. Sua obra anunciava o otimismo do progresso americano no pós-guerra e seu posterior declínio, trágico e sensacionalista.

1968 — by Andy Warhol — Image by Image © The Andy Warhol Foundation/Corbis

Foi entre 1961 e 62 que deu o pulo do gato e concebeu sua primeira grande obra de arte, a notória série dedicada às sopas Campbell, um dos ícones do pop e sua marca registrada. Warhol tinha uma notável aptidão para captar e compreender os mitos de um tempo, aqueles que definem uma geração, e passou a incorporá-los de modo literal e reducionista em sua arte, como fez com a garrafa de Coca-Cola, a caixa de Brillo e o retrato de Marylin, apenas para citar alguns.

Mas os mitos não existiam por si só. Eram decorrências da máquina capitalista, que, sob a estabilidade dos EUA do pós-guerra, funcionava a alta velocidade. De fato, o próprio artista declarou: “Os Estados Unidos têm o hábito de criar heróis a partir de qualquer coisa ou pessoa, o que é ótimo!” O progresso científico das pesquisas de marketing, somado ao aperfeiçoamento das técnicas de design, foi essencial para esse novo contexto, em que se geraram os artifícios psicológicos capazes de alienar as características específicas e óbvias de um produto. Com isso, lotados de aspirações criativas, os publicitários da época – como os da avenida Madison, agora glorificados pela série televisiva MadMan – aplicavam técnicas subliminares e produziam sugestões subconscientes no consumidor, a fim de lhe instigar o desejo e o induzir ao consumo, driblando sua liberdade de escolha e fomentando o sistema capitalista.

Se o consumo em massa transformou-se num símbolo dos anos 1960 nos EUA, a obsessão pelo dinheiro também. O dólar passou a representar poder econômico, superioridade e liberdade. O emblema do sistema capitalista.

Warhol compartilhava esse fascínio pela moeda e se pôs a reproduzi-la já no início dos anos 1960. Numa noite, pediu sugestões – sobre o que poderia trabalhar – e uma amiga lhe fez a pergunta decisiva: o que você mais ama? Foi assim que começou a pintar dinheiro. Surgia a primeira série dedicada ao dólar. Eram notas de um ou dois dólares, reproduzidas da mesma forma que as embalagens de sopa. Mais tarde viriam os dólares não acabados, dólares irreconhecíveis, desenhos abstratos do dólar e até impressionistas.

Quase vinte anos depois, em 1981, Warhol revisitaria seu objeto de fetiche. Foi quando fez um de seus melhores trabalhos do período: a série de símbolos de dólar $. Ao longo dos vinte anos desde a primeira reprodução, entretanto, a obsessão por dinheiro e fama foi alimentada não só pela moeda de troca, mas principalmente, pelas atitudes do artista.

Em 1963, Warhol se mudou para um novo estúdio, chamado Silver Factory, onde seu trabalho o seguiu a passo acelerado. Dizia produzir a mesma coisa; porém, um pouquinho diferente a cada vez. A fábrica se tornou o place to be em Nova York no meio dos anos 1960, atraindo um mix interessante e diverso. O personagem exótico de Warhol foi concebido nessa época, no seu estúdio, entre as pinturas, os filmes e as festas que produzia. Em 1964, criou a famosa série de flores em homenagem à morte, por suicídio, de um colega assíduo da fábrica. O gênio de Warhol o levou também a gerenciar a banda Velvet Underground, que ficaria famosa apenas nos anos 1980.

O Silver Factory fecharia em 1968 devido a um incidente. Durante as décadas de 1970 e 1980, e até sua morte, em 1987, Warhol dedicou-se às famosas obras de retrato, pelas quais seria reconhecido como um dos maiores retratistas dos EUA. Ele buscava seus clientes em clubes noturnos, festas e jantares da cena underground e social de Nova York. Uma máquina de fazer dinheiro.

Com uma energia criativa vibrante e um raro gênio para entender o zeitgeist de seu tempo, Warhol não apenas quebrou a barreira existente no meio artístico dos anos 1960, dominado por uma arte elitista, altamente expressiva e emocional, como também delineou as bases do pós-modernismo. O legado de Warhol é evidente na obra de diversos artistas contemporâneos, como no personagem de Jeff Koons e na sua forma de utilização da mídia, em Takashi Murakami, com seu design para a loja Louis Vuitton e, mais recentemente, no leilão de obras de Damien Hirst.

Desde o inicio, para Warhol, fazer dinheiro era arte assim como o era trabalhar; então, naturalmente, bons negócios seriam a melhor forma de arte.