Brasa, série fotográfica de Gleeson Paulino, gentilmente cedida para a edição O Homem: Amarello 15 anos. Todos os direitos reservados.

a fecundidade
da vida
estala
na estante
frente a mim
minha mãe
adolescente
em 12 retratos
num só quadro
em cada um
um aspecto
da sua bela
florescência
coisa recente
do pós-guerra
década de 1940
ancestral
para mim
não para o livro
sobre a Idade Média
que o quadro
recobre
porém
para mim
é o arcano
que não poderia
conhecer
a não ser
pelos causos
de família
contados
por gerações
de rapsodos
familiares
entre eles
ela
que numa fotografia
com meu pai
da década de 1970
que fui eu mesmo
quem tirei
como se cresce rápido
estão
na Piazza Michelangelo
com Florença
ao fundo
enlutada
com a morte de Allende
de nada ser
adulto já sou
e meu tempo
que viverei
já se mistura
ao Renascimento
que em Brunelleschi
vim tanto a amar
e ao país próximo
em que começo
a perceber
teve o trágico
destino do meu
mas uma outra
fotografia
verde e cinza
tão verde
quanto o cinza
é cinza
tirada na Irlanda
por minha filha
já no século XXI
me leva
à paz
sempre possível
ao verde
que te quero verde
qual seja o cinza
a acinzentar
e há vento
nuns galhos
da paisagem
pouco
mas o vento
sempre é vento
na rapsódia
das fotografias
na minha estante
o mundo
meu pequeno mundo
parece aparece
no grande mundo
com seus encantos
nos pequenos presentes
tudo são presentes
sobre os livros
da minha estante
sentado estou
sobre o chão
de pedra
com a lareira
às costas
da Fallingwater
num cartão de viagem
mandado
por meu pai
os Jogadores de Cartas
de Cézanne
com cachimbos
e mãos de artesãos
lembram
meu avô paterno
meus netos
meus filhos
a família inteira
desfila
seus tempos
nas prateleiras
na cerca
da fotografia
de todo ano
de todo julho
na fazenda
e numa obra
de outras
fotografias
de minha filha
caço codornas
belo é o trabalho
do cachorro
o resto é o animismo
de homem e caça
que provei um dia
meu filho
na Austrália
meu filho
por toda parte
meu netos pulam
alto
ao mesmo tempo
patriarca sou
numa foto de agora
aos 70 anos
década de 2020
um vaso
comprado no Alhambra
ao lado
um simples vaso
escandinavo
com a forma
da água
que transborda
do vaso de núpcias
da antiga Grécia
dado a meus pais
pelos quatro filhos
nas bodas
nas núpcias
deles
a de 50 anos
ouro
de cor leitosa
do líquido
do avoengo banho
de núpcias
do amamentar
da merenda
da escola
quando criança
e criança
sempre serei
a imensidão
da história
é inalcançável
tantas voltas
tantos desvios
tantos pecados
alguma virtude
para voltar
ao início
os livros
estão bem arrumados
da lógica
até a poesia
passando por tudo
desse tudo
que de tudo
sei um pouco
de nenhum pouco
sei um tudo
e menino
confesso
não fui
o bravo Aquiles
talvez
o solerte Ulisses
pois à casa
à casa
de todas
as minhas casas
enfim retorno