Viajando de férias, minha filha recebe uma mensagem da sua melhor amiga, coincidentemente chamada Helena. Fica contente com a lembrança e me diz: “Mamãe, quando eu voltar, quero brincar na casa da Helena. Ela é minha saudade mais favorita.”
Fiquei um tempo pensando. O lugar da saudade dentro da gente é sempre de honra. Para ser digno de saudade, algo precisa ter sido intensamente costurado na nossa alma, com fios do metal mais precioso que existe — que nem o tempo ou a distância são capazes de apagar.
Tenho muitas saudades favoritas que me fazem companhia. São memórias nas quais passeio com frequência e me alimento em dias sombrios. Algumas pessoas me dizem que minha memória é boa. Eu concordo, até porque preciso muito dela no meu ofício para ajudar pessoas a entender que ter uma saudade favorita não é ser esburacado, mas muito pelo contrário. Saudades favoritas podem ser lugares para sorrirmos secretamente. Isso porque são exclusivos, propriedade privada. Algumas saudades favoritas são pessoas, por vezes uma cena, uma viagem, um livro, um filme. Gosto da cena do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, na qual se tenta apagar a ex-namorada da mente. Eis, então, que o personagem se reencontra com uma lembrança de ambos fazendo anjos na neve, deitados, mexendo os braços e as pernas. Gorros coloridos, o branco da neve, seus corpos fazendo formato de “x”. Ao visitar essa cena, antes de seu apagamento, insiste: “Posso ficar só com essa cena da minha namorada? Por favor: Let me just keep this memory“.
Uma vez, num passeio turístico pela Itália, o navio parou e os passageiros podiam pular no mar. Todos do barco se trocaram e se jogaram. Já eu, desavisada, não tinha maiô nem toalha. Porém decidi mesmo assim mergulhar de roupa e tudo. Era verão. Meus pais, num ato impulsivo (coisa rara lá em casa), pularam atrás de mim, também vestidos. Éramos nós três, o mar azul de Capri e o sol que batia na água que a deixava estrelada. Quando retornamos a bordo, rimos de nosso trio encharcado. Era uma travessura em conjunto. Eu tinha 25 anos e me casaria em seguida. Era uma despedida do que éramos nós três, daquela família de onde eu vinha. Essa é, definitivamente, uma das minhas saudades favoritas. Foi a primeira lembrança que pulou da gaveta da memória quando pousei no título desse texto. Minha mãe foi embora há um mês e meu pai há 11 anos. Fiquei sozinha a bordo. O difícil é não poder contar com ninguém para reviver esse momento. Eu fiquei para contar essa história. Sobrei como testemunha de que um dia não fomos só saudade. Um dia saímos juntos de férias e pulamos nessa água, éramos três. Coloquei na parede do meu consultório um quadro com esse mar, feito com um cartão postal por uma amiga artista: a água azulada, as pedras, os barcos branquinhos cheios de turistas. Eu não tenho foto dessa cena que vivi, mas tenho o quadro para recordar dessa memória quando me sentir sozinha. De vez em quando eu mergulho nessa cena, nós três de mãos dadas no mar de água gelada, refrescante, rindo como crianças da nossa inconsequência.
É que nossas memórias são como roupas penduradas no varal, no fundo da nossa mente. Às vezes, passeando por elas encontramos conforto. Uma lembrança pode nos vestir como uma roupa quentinha que o sol acabou de secar. Ou, talvez, como um casaco felpudo antigo que pule de uma gaveta num dia de frio. Foi, porém, a minha filha quem colocou a etiqueta nessa gaveta com um nome pertinente. Os meus filhos são o meu presente favorito, assim como o meu futuro azulado, tal como o mar de Capri.