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#11SilêncioArtigo

Se não houvese silêncio, não se perceberiam as vozes

por Bruno Pesca

Quem fala muito erra muito; quem fala pouco erra pouco. Com essa máxima popular em mente, cruzei 35 países vítimas de tragédias, donos de culturas bem diferentes da brasileira. O que dizer a alguém que sofreu uma perda irreparável e sabe que você, forasteiro de outro mundo, de certa forma só está ali porque isso aconteceu? “Sinto de verdade por sua perda” – falei, sinceramente, todas as vezes em que coube, olhos nos olhos. Mas o que dizer depois, quando as lembranças se desenvolvem, quando a pessoa remonta e narra o evento, ou quando expressa suas conclusões? E o que dizer quando o papo vira um desabafo, ou assume um rumo assumida e estritamente emocional? A resposta nessas situações é sempre apenas uma: nada. Fique quieto e apenas escute.

Experiências como as de meus quatro anos nessas viagens (que foram ao ar na TV graças ao projeto Não conta lá em casa, no canal Multishow) são um tratamento de choque na assimilação da importância do silêncio em nossa formação humanística e no traquejo social. São capazes de moldar qualquer pessoa, precisassem elas urgentemente dessa lição ou não. Nunca foi meu caso. Na verdade, cresci ouvindo reclamações de que muito frequentemente era silencioso demais, o que não poucas vezes me causou rotulações ora de timidez, ora de cinismo. Em não poucas ocasiões o que causei foram dúvidas sobre em qual desses dois diagnósticos me encaixaria.

Nunca me considerei, todavia, nenhum dos dois. Porém, fato é que, assim como a emissão de opiniões, nosso silêncio pode sempre ser melhor calibrado para um melhor resultado social. É aí que muitos falham com as palavras, e muitos outros (como eu) falham com o silêncio. Claro que, no dia a dia, não somos calculistas com essas coisas, e é claro que as pessoas têm, cada uma, seu jeito, inclinadas a falar mais ou menos, dependendo da situação, ou a falar muito ou pouco em qualquer situação, dependendo do jeito. Mas o que aprendi, testemunhando a reação de milhares de protagonistas de experiências extremas, é que a vida muda as pessoas, afeta seu jeito. Portanto, somos todos capazes de mudar.

Quem não se lembra de quando o gângster decadente Vincent Vega jantou com a nova mulher de seu chefe, a qual acabara de conhecer? Mrs. Mia Wallace, a moça, disse algo interessante após um minuto espontâneo de silêncio à mesa: “Por que as pessoas sentem necessidade de falar qualquer bobagem para que não haja constrangimento numa situação como essa? Por que não se pode apenas dividir um confortável silêncio?” A cena do filme Pulp Fiction traz uma boa provocação. Provocação essa que costumava fazer sorridente, na adolescência, àqueles que questionavam se eu era tímido ou cínico. Mas parei de fazer, pois sempre devolviam com “acho que você já respondeu o que eu queria saber”. Hoje, respondo apenas com um leve sorriso, na certeza de que é muito melhor ser taxado de tímido do que de cínico.

Talvez ocorra na rotulação do silêncio a mesma injustiça com a qual avaliamos o preto, a cor que é ausência de cor. O preto compõe qualquer cenário com a mesma importância do branco e das outras cores. Mas, assim como o silêncio, é somente associado à ausência de vida. Já que estamos falando de silêncio, e silêncio é som (ou mais precisamente a ausência de), vale a analogia da música. Numa partitura musical, é igualmente importante para o músico respeitar tanto as notas quanto seus tempos, isto é, frações de segundos nas quais não se faz nota alguma. O intervalo de tempo entre as notas, na prática, nada mais é que um intervalo de silêncio, fundamental para a composição da música. Ausência de cor é também mera ausência de luz, pois a luz também precisa de intervalos de espaço para compor as imagens. O silêncio compõe nossa voz, aquela que move nosso mundo. E, como lembra o barulhento livro de Helena Blavatsky A voz do silêncio (1889), traduzido para o mundo lusófono por ninguém menos que Fernando Pessoa, a voz bem pautada pelo sábio uso do silêncio nos leva à iluminação.

Iluminação, nesse caso, tem obviamente duplo sentido, pois não era à comparação do som com as cores que se referia o livro. Não quero, porém, seguir por vias esotéricas ou religiosas. Melhor não me arriscar mais em reflexões filosóficas sobre o silêncio. Afinal, quem fala muito erra muito. E, de fato, quem fala pouco erra pouco. Vale a pena, no entanto, pensar mais sobre os efeitos de nosso silêncio, seja na carência dele em situações sociais individualizadas, como a Sra. Mia Wallace bem descreveu, seja no excesso dele ante os dramas sociais do coletivo.

Aliás, muito tenho a impressão de que são as pessoas mais silenciosas na banalidade de suas rotinas ou nas amenidades de suas vidas privadas as que mais chamam pra si protagonismo e barulho na hora de resolver questões cívicas ou coletivas. Se isto é verdade, fica provado que cada um tem suas métricas quando compõe sua ‘’música’’. Tento periodicamente reavaliar as minhas, pois, como dizia Leonardo Da Vinci, quem pensa pouco erra muito.

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