Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
#14BelezaCulturaSociedade

O que é bonito

por Bruno Cosentino

Me contradigo? Tudo bem,
então me contradigo;
Sou vasto, contenho multidões.


Walt Whitman, em Canção de mim mesmo

O que é bonito pra mim pode não ser pra você. Por isso, a beleza é relativa. Mas não podemos relativizá-la histórica ou culturalmente, porque, se algo é bonito para cada um, não basta a generalização do que é bonito para uma época ou para determinado grupo. O mais certo então é acreditar na singularidade da pessoa, na intuição da beleza, na criança quando diz espontaneamente que algo é bonito, pois é aí que nos encontramos todos numa base comum e misteriosa. O ocidente herdou da cultura clássica a associação da beleza à simetria. Mas as linhas irregulares da natureza, a marca das ondas na areia, um solo de Coltrane, o skyline das montanhas, são todos belos e assimétricos. A beleza pertence a uma ordem superior e insondável. As imperfeições lhe são intrínsecas. O belo pressupõe o feio e o feio, o belo. É a partir da pessoa que podemos tocar o absoluto.

Me foi incumbida a tarefa de escrever sobre a cena de música experimental do Rio de Janeiro, relacionando-a com a estética do feio – ligada à destruição, ao caos, à desordem etc. A partir daí, colocou-se então a hipótese de que essa estética teria pouca aceitação do grande público. O problema central poderia ser sintetizado desta maneira: o feio é incomunicável e o belo é comunicável. Como veremos adiante, não é bem assim.

Por enquanto, tentemos entender um dos componentes da equação. Não raro, muitos artistas afirmam que não se preocupam com o público. É verdade que o artista não deve pensar, a priori, na aceitação de sua obra, mas acontece que é movido por um sentimento que, além de seu, é também compartilhado por muitos. O artista possui o dom e a habilidade técnica de cristalizar sentimentos num objeto e, através dele, transmiti-los às pessoas. Esse é o elo. Como diz Léon Tolstói, a arte é um meio de comunicação que transmite sentimentos entre os homens. Por isso, dá particular atenção ao contágio, ou seja, o quanto a obra de arte consegue reunir as pessoas em torno dos sentimentos que evoca. Poderíamos dizer, então, que a arte se realiza em dois âmbitos: primeiro, o formal, intrínseco ao objeto, que encerra em si relações imbricadas de sentido e potência; e segundo, o grau de comunicação – ou de contágio – com o público. O público é imprescindível; sem ele, a obra não existe, senão virtualmente.

O que é bonito? Segundo Nietzsche, “fisiologicamente, tudo o que é feio enfraquece e aflige o homem. Seu sentimento de potência, sua vontade de potência, sua coragem, seu orgulho – tudo isto decai com o feio, tudo isto se eleva com o belo”. Colocando assim o homem como medida da beleza, mesmo a música que provoque em nós sentimentos de dor, ódio e indignação, é bela quando capaz de afirmar nossa soberania individual – aliás, essa é uma possível utilidade prática da arte: mexer com a gente de tal maneira que nos faça remar contra o senso comum da sociedade e tomar decisões concretas e corajosas para as nossas vidas. Isso é tenso!

A tensão provém do fato da música não operar somente no nível fisiológico ou natural, mas também no cultural. Como nos ensina Lévi-Strauss, se por um lado podemos sentir a música no corpo, no batimento do coração ou no ritmo da respiração, por outro, ela é também a oposição e a combinação de todos os sons percebidos no mundo físico, organizados em um sistema cultural – as escalas musicais, por exemplo. A cultura seria portanto um nível de articulação vital para a comunicação entre artista e público, pois consiste numa base de significações comum, assimilada inconscientemente por todos. A beleza na música residiria justamente na tensão entre os níveis da natureza e da cultura, em um jogo complexo que ora quebra, ora confirma as expectativas do ouvinte.

Alguns artistas da cena experimental do Rio de Janeiro já declararam algumas vezes o desejo de que sua música seja visceral. A improvisação, como prática preponderante, também remete a esse estado, uma vez que incita respostas instintivas aos estímulos musicais no calor da performance. O acesso ao estado pré-racional é parte constituinte da lógica de criação de algumas vanguardas históricas da música erudita; por mais que, paradoxalmente, tenha convivido com sua contraparte, uma extrema racionalização, ambas são resultado do mesmo diagnóstico: uma vontade de cisão do artista com a sociedade, seja através dos instintos ou do intelecto. O fetiche vanguardista do novo e a consequente necessidade de rompimento com o status quo, que ressoa nos desejos dessa turma, passam a ser, na cultura musical do ocidente, associados à desordem, à dissonância, ao caos, à fragmentação, à destruição, ao estranhamento etc., as quais Hugo Friedrich chamou de categorias negativas. O desejo de rompimento pode ter dois efeitos recorrentes: o primeiro é a atitude covarde do indivíduo de abdicar da cultura, desfazendo a tensão intrínseca à criação e voltando-se para si próprio de modo egoísta, artifício que muitas vezes serve para encobrir seu fracasso; o segundo efeito é a própria condição do grande artista, que sente no corpo a dor e a delícia de ser o que é, o conflito de ser uma pessoa fundamentalmente só, mas que produz suas obras num contexto social, cultural e histórico necessariamente coercitivo e uniformizador; para ele, a tensão não cessa nunca, pois é justamente ela que o move – esse é o artista que faz coisas belas!

A música experimental do Rio de Janeiro, representada por bandas e artistas como Chinese Cookie Poets, Duplexx, Rabotnik, Sobre a máquina, Cadu Tenório, Marcos Campello e outros, embora circule num nicho restrito da cidade, alcança cada vez mais notoriedade dentro de outros nichos fora e dentro do Brasil. O público pequeno não se deve somente à associação mais estreita desse tipo de música com as formas caóticas e desordenadas de uma estética do feio, até porque a música experimental também deseja eventualmente o belo. A explicação para o reduzido público parece residir no grau de tensionamento entre a natureza e a cultura. Se imaginamos um eixo e colocamos de um lado a natureza e de outro a cultura, podemos dizer que a cena experimental se encontra mais próxima da natureza, evocando estados pré-racionais, instintivos, viscerais. Esse exacerbamento da natureza não satisfaz as expectativas do público médio, que têm origem no sistema cultural assimilado – aliás, essa também é a explicação para a dificuldade de julgamento sobre o que é bom e o que é mera aleatoriedade na música experimental, já que ela faz exigência da subjetividade do ouvinte. Quando a música está mais para o lado da cultura, o mesmo acontece de modo invertido; ela tende a se tornar estéril e não surpreender ninguém. Em outras palavras, podemos dizer que, quanto maior a tensão entre natureza e cultura, maior será o impacto estético da música sobre o público.

Por que será então que mesmo os melhores da cena experimental carioca ainda não conquistaram um público maior na cidade? Parte da resposta está na educação escolar e familiar insatisfatórias e no descumprimento dos meios de comunicação de seu papel de formadores da cultura. Mas também há outra explicação. Normalmente, a música experimental é também instrumental. O fato dela não conter palavras e/ou narrativas a coloca em posição de desvantagem, por exemplo, ante a canção popular, uma vez que as palavras criam, para além do som, um segundo nível de entendimento e comunicação com as pessoas. A aproximação entre a música experimental e a canção é exemplo de alto tensionamento entre natureza e cultura, encontro da vitalidade com a comunicabilidade, de onde podem surgir resultados estéticos surpreendentes. É a melhor promessa de futuro para a música do Rio de Janeiro.

Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

O gozo de perder: ilusão e poesia com Pessoa

#30 Ilusão Artigo

por Roberta Ferraz Conteúdo exclusivo para assinantes

Inventário No 1: O Sobrado Amarelo

#6 Verde Arte

por Mateus Acioli

O fim do fim da História

#49 Sonho Sociedade

por Rafael Kasper Conteúdo exclusivo para assinantes

L’enfer, c’est les autres: mas e se o inferno for estar sozinho?

#21 Solidão Cultura

por Leticia Lima Conteúdo exclusivo para assinantes

Leia o Norte!

#45 Imaginação Radical Cultura

por Izabela Nascimento

Ópera ou a máscara da ilusão

#30 Ilusão Arte

por Leandro Oliveira Conteúdo exclusivo para assinantes

Universo particular

#19 Unidade Arte

por Leka Mendes Conteúdo exclusivo para assinantes

Perdemos a mão

#24 Pausa Cultura

por Fábio Maca

Quem tem tempo para o tempo?

Cultura

por Revista Amarello

Eu sou um homem (I am a man)

#37 Futuros Possíveis Artigo

por Zé Manoel

Síndrome de Stendhal

#14 Beleza Cultura

por Leticia Lima Conteúdo exclusivo para assinantes

Os 10 anos do Festival Novas Frequências

Arte

por Pérola Mathias

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.