Yves Saint Laurent (1936-2008), o rapaz esguio de personalidade tímida e reservada, de família afluente, nascido na ensolarada África do Norte, tornou-se um dos maiores criadores da alta costura francesa e da moda internacional. Reconhecido após seu apontamento como substituto de Christian Dior em 1957, onde sobreviveu brevemente, Saint Laurent iniciou sua grande trajetória através de sua própria maison – YSL. Através da criação de suas coleções de alta costura e, principalmente, de sua grife prêt-a-porter conhecida como Rive Gauche, Saint Laurent modificou a maneira como a mulher vestiria moda. Refletindo as mudanças sociais e econômicas pelas quais as mulheres do período posterior à Segunda Guerra Mundial passariam, libertou-as dos valores estéticos burgueses de estilo.
Na moda, Saint Laurent criou uma nova elegância de ar moderno, embora preservando a feminidade, sem a necessidade de “enviar a mulher para a lua”, como Courrèges o fez durante a febre da corrida espacial no auge da Guerra Fria. Colocou a mulher em ternos e tuxedos, sem comprometer sua sensualidade feminina. O criador, que preferia estilo em vez de moda, trouxe, com exotismo, a África negra, o Marrocos e o orientalismo do Ballets Russes para os salões de Paris; enviou sua mulher para as savanas africanas, vestindo-a com o casaco de safári, e tirou inspirações das cores fortes e formas geométricas de Mondrian, de quem colecionou algumas obras de arte. Desenhou também figurinos para dezenas de espetáculos teatrais – uma de suas grandes paixões.
Musas… Em busca da beleza feminina, para construir sua obra, Saint Laurent desenvolveu o gosto por mulheres de personalidade e estilo únicos. Fascinava-se por mulheres negras, com uma predileção particular por negras americanas, considerando seus movimentos corporais incomparáveis, tendo a modelo negra Fidelia como exemplo de sensualidade; mulheres com ar de heroína, como a socialite Marella Agnelli, e de características fortes, como a aristocrata e estilista Jacqueline de Ribes, ou Loulou de la Falaise, com seu gosto e estilo inquestionáveis. Dentre outras, a dama do cinema francês e ícone de uma beleza clássica, a atriz Catherine Deneuve, que possuía uma relação próxima com Saint Laurent.
O conceito apurado de beleza e gosto de YSL manifestou-se não apenas em sua carreira e na fascinação por suas musas. Após seu falecimento, em 2008, seu parceiro de vida e negócios, Pierre Bergé, revelou ao mundo uma coleção de arte e design que havia adquirido com Yves Saint Laurent a partir dos anos 1960. Esta coleção, leiloada pela Christie’s em 2009, compreendia mais de setecentos objetos, representando, em seu conjunto, a história de várias partes do planeta, em períodos variados, expandindo-se desde o século XIII até obras de arte modernas e contemporâneas do fim do século XX. Em sua propriedade de Marrakech, mais conhecida como “casa da felicidade”, Yves Saint Laurent desenhava e criava cenários de interior, incorporando suas obras de arte e mobília de design, tudo em harmonia, misturando épocas e estilos distintos, técnica aprendida com os amigos e colecionadores de antiquário e arte que admirava, o Visconde e a Viscondessa de Noailles.
Pertencentes a essa coleção, mestres da pintura de vários períodos históricos inspiraram Saint Laurent, como o artista holandês do século XVI Frans Hals, o mestre da pintura inglesa do século XVIII Gainsborough, além de Ingres, Henri Matisse e Goya. Entre outros, destaca-se a beleza dos traços masculinos nus da série Académie do pintor do período Romântico francês Théodore Géricault. Nomes da escultura, como o de Brancusi; prataria alemã do século XV; e muitos objetos de mobília da era modernista, com destaque para a década de 1920; nomes como Pierre Chareau, Jean Dunand, as banquetas de pele de leopardo (1928-1929) de Gustave Miklos.
Como destaque, a “poltrona de dragões” (1917-1919), de autoria da arquiteta e designer anglo-irlandesa Eileen Gray, cuja especialidade em manipular verniz e laca em formas de art déco iniciou seu prestígio profissional.
Para Pierre Bergé, essa vasta coleção materializou-se através da ambição que ele e Saint Laurent possuíam pelo conhecimento detalhado da história e da obra de cada artista, e pela “admiração” – como descreve – por esses objetos de arte. Por décadas, essa coleção teria sido mostrada em círculos privados, para amigos que dividiam os mesmos conhecimentos. Após a revelação dessa coleção ao público geral, mostrou-se ao mundo a influência que esse conjunto de obras de arte e design – um reflexo de sua vida – teve no trabalho de alta costura e moda de Saint Laurent: o vestido de Mondrian; as esculturas africanas e a paixão pela África, possivelmente inspirando o criador com sua exuberante coleção africana de 1967; o tributo a Pablo Picasso, em sua coleção de alta costura de 1979. Tal como sua imensa coleção de arte, o trabalho de Yves Saint Laurent ultrapassou fronteiras e continentes.
Essa coleção, leiloada e agora desmembrada, também possuía alguns retratos do estilista: Yves Saint Laurent mis à nu, de 1971, de autoria de Jeanloup Sieff, que expõe o criador de indumentária e de moda completamente despido do traje, exibindo sua silhueta frágil com características fortes, como suas mãos e pés. Nesta ocasião, Yves Saint Laurent posava para a campanha de seu primeiro Eau de Toilette, Pour Homme – com olhar profundo e distante através das lentes de seus óculos, expondo um novo conceito de beleza e elegância masculina: delicada, sensível e enigmática, com sua forte – e ao mesmo tempo frágil – personalidade.
Yves Saint Laurent: reflexões sobre beleza e gosto
por Everton Barreiro