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Fotos de Gleeson Paulino

“O Rio é espaço de lazer, memória, escuta,
identidade e encontro”

#37Futuros PossíveisCulturaSociedade

A importância do Rio São Francisco

por Ingrede Alves Dantas

Território Quilombola Águas do Velho Chico, localizado no município de Orocó, na Região do Médio São Francisco, sertão de Pernambuco, reconhecido pela Fundação Cultural Palmares (FCP) desde 2009, é formado por cinco comunidades, que são: Mata de São José, Caatinguinha, Remanso, Umburana e Vitorino. Elas estão localizadas às margens do rio e trazem consigo a identidade quilombola dos que este espaço habitam, povo ribeirinho que tem o rio São Francisco como local sagrado, místico, de vida, de resistência, alegria e lazer. 

Segundo relatos dos nossos mais velhos, essas áreas às margens do rio eram antes consideradas “locais cheios de matas e inóspitos”, até que alguns negros que vinham fugindo de Canudos, Bahia, por volta de 1897, e outros vindos da Serra do Umã em Carnaubeira da Penha, Pernambuco, chegaram e encontraram terra para, assim, gerarem a comunidade-mãe (Mata de São José) e a população hoje existente. Para os que residem nessas comunidades a importância do rio é, acima de tudo, a origem desse povo, local hoje chamado de território! Não se pode esquecer que o rio foi primordial, uma fonte de vida e de sobrevivência. Muitos só tinham o rio para tirar o seu sustento e de sua família. Os peixes eram abundantes, e as cheias traziam medo, mas, quando a água baixava nas áreas antes ocupadas (vazantes), era a maior riqueza. O plantio de batata doce, mandioca, algodão e feijão eram frequentes para o sustento de todos.  

Antes desse sentimento histórico regado de memórias ímpares para cada sujeito, eles  vivenciaram as duras fases de uma comunidade em que as condições de plantio eram um desafio – não pela falta de terra ou água, mas pela limitação econômica  que  essa população tinha, uma vez que  essas comunidades quilombolas se formaram bem antes da própria cidade. A forma de comércio era a troca dos produtos da agricultura familiar por carnes, peles ou ossos de animais em espaços pouco frequentes chamados de feira livre. O povo das áreas de cerqueiro vinham até o vilarejo de Orocó, ou “entre serras”, como é descrito por nossos parentes indígenas que habitam grandes áreas de ilhas desse município, e assim era feita a compra das mercadorias: peixe, macaxeira e seus derivados (farinha biju, goma), mel, carnes bovina, caprina e suína, tendo como meio de transporte a carroça de animal ou a própria canoa.  

Os relatos mostram que o único meio de transporte era a canoa, que ia de um município a outro, como, por exemplo, a cidade Belém do São Francisco, que fica a pouco mais de 100 km, ou até cidades mais distantes, como as de Minas Gerais, onde iam buscar toras de madeira para fazer canoas e jangadas. Eles passavam mais de seis meses andando pelo rio, levando as produções agrícolas que tinham para trocar por tecido, madeira, calçados e alimentos que não tinham na comunidade.  

Enquanto as comunidades iam se povoando, ganhando espaço, fazendo seus ranchos (moradias), outros olhares em torno daquele terreno eram direcionados para a exploração tanto das pessoas que ali viviam – a começar por sua força bruta, seus corpos e suas filhas, seus costumes e saberes – como de suas pequenas propriedades, que, sem condições financeiras, não podiam produzir. Muitas acabaram sendo invadidas ou trocadas por alimento, moradia, uma  canoa ou outra necessidade da família. Assim, passaram a produzir para um senhor (patrão), e nas poucas horas que lhes sobravam do trabalho (na roça de algodão, milho, legumes, na casa de engenho, entre outros afazeres) iam pescar ou cuidar do pouco que lhes restava – um pedaço de roçado contendo o feijão, macaxeira e/ou batata doce, nas margens do rio, para garantir o sustento.  

Falar deste rio é falar de suor. Muitas mulheres em sua gestação se banharam nessas águas doces e apresentaram ao rio aquele novo ser pedindo vida digna e direitos, pedindo proteção e bênção aos encantados d’água. Muitas esposas saíam para pescar junto com seus esposos à noite, ou durante o dia, enquanto eles estavam no roçado do patrão, com garra, determinação e fé. Como sempre fala a nossa mestre: “com fé em São José, vamos chegar!”(Maria José Gomes dos Santos, agricultora e parteira).  

Em conflito com a permanência desses povos em seus espaços sagrados estão os planos de desenvolvimento do governo brasileiro para o Nordeste, em especial no entorno do rio, com as construções das barragens. Desde a de Sobradinho, construída na década de 1970, onde as comunidades passaram a vivenciar durante anos as mudanças, até a transposição do rio São Francisco, que trouxe desordem e transtorno psicológico, alimentício, social, político, econômico, cultural e ambiental para a vida dos ribeirinhos, especialmente os povos e as comunidades tradicionais, que vivem em seus espaços secularmente. Em nossas comunidades não foi diferente. Vivemos o medo e a insegurança de um plano de desenvolvimento que fere a existência, o território e a história de um povo. E é um medo constante, antes, com o canal de transposição do rio São Francisco (Eixo Norte) e, depois, com a barragem de Riacho Seco e Pedra Branca, que interliga Bahia e Pernambuco e afetou diretamente a vida dessas comunidades.  

Atualmente, o rio é espaço de lazer, memória, escuta, identidade e encontro. Os mais jovens entendem a necessidade de preservar e cuidar, pois cada momento propiciado às margens do rio é um encontro do ontem com o hoje, um encontro com as histórias dos nossos ancestrais, que pescavam e contavam lendas como as do nego d’água e da mãe d’água. Esses relatos contribuem para a formação dos sujeitos que hoje vivem a pesca, se banham, dançam e escutam, tanto pela proposta da educação escolar quilombola de seus professores e familiares, que se reúnem às margens deste herói, quanto como forma de lazer, trabalho e, inclusive, prestar respeito a este que chamamos de pai e mãe, que é o bem mais precioso para toda a produção econômica, social, cultural e ambiental do nosso território: o rio São Francisco, ou Velho Chico, nosso maior bem.  

Assim, finalizo tentando exprimir nosso imenso amor e a necessidade de cuidar deste herói com um cordel de uma liderança deste solo sagrado chamado Águas do Velho Chico:

REIVINDICAÇÕES DO RIO SÃO FRANCISCO  
(Maria Senhora Gomes Dos Santos Gonçalves) 

Boa noite, minha gente
Estou aqui pra dizer
Seja fiel e consciente
cuide de mim e de você
Eu sou apenas uma semente
Estou vivo, mas posso morrer
Todo dia, o dia inteiro
Vocês precisam de mim
Pra pôr o feijão no fogo
Também pra molhar o capim
Cada dia morro aos poucos
Por que me tratam assim?
Se aumenta a inflação,
ficam todos preocupados
rádio e televisão
deixam todos informados
Por que não fazem um mutirão
em prol deste abandonado?
Meu café é esgoto
Meu almoço, agrotóxico
Estou até o pescoço
Poluído de remorso
Só me enxergam como um poço
Destinado a negócios
Muitos até se admiram
e falam da minha beleza,
Mas poucos se mobilizam
Em prol da minha defesa
Até meu coração partiram
em benefício das empresas
Se queres saber quem sou
procure no alfabeto
Sou um velho sofredor,
morador aqui de perto
Amigo do pescador
E refém dos projetos
É triste meu padecer
É pouco meu respirar
Estou cansado de sofrer
Ninguém me escuta gritar
A minha voz é você
já que eu não posso falar

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