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#39Yes, nós somos barrocosArteFotografiaModa

O olhar do figurino: figuras

por Emilia Duncan

A realidade pode, muitas vezes, superar a ficção. Revendo as Figuras, imagens capturadas pelo olhar de figurinista de Marcelo Pies, essa constatação é flagrante. 

O olhar treinado para vestir personagens, para transformar o corpo do ator em instrumento a favor do seu personagem, aqui faz outro caminho, busca e encontra personagens na vida da cidade. Conhecendo Marcelo, não posso deixar de imaginar sua própria figura longilínea e elegante, esse “dândi” de humor fino, buscando suas imagens pela cidade, perscrutando-a com seu olhar minucioso e preciosista. E encontrando, tal qual os viajantes de dois séculos atrás, Figuras em que roupas e vidas se interpenetram criando uma narrativa própria, ímpar. Através das camadas do vestuário ou de sua ausência, as histórias vão se revelando em não-palavras. 

A voz da matéria, tecidos e texturas, que se envolvem ou se afastam, o som das cores vivas ou mortas e das formas e corpos, principalmente os corpos, pois estamos falando de roupas que têm vida, roupas encarnadas. A força das Figuras é a roupa naquela pessoa específica, o olhar perdido que se soma à roupa, o cabelo arrumado ou em desalinho, o gesto. 

O Rio foi atravessado e as figuras, capturadas pelo olhar de figurinista do Marcelo – este olhar de aventureiro disposto a viajar no tempo e no espaço, atravessar diferentes classes e categorias e, por isso, livre das amarras do bom gosto, do certo e do errado, tendo como convicção apenas a relatividade de tudo e assim aberto para o belo que reside no ingênuo, no estranho, no triste. Capaz de captar a alegria do prazer de ser, como nos habitantes de Copacabana. 

Ah, Copacabana! Onde a praia é onipresente, invadindo o asfalto das ruas por meio da movimentação dos corpos desnudos beneficiados pela proximidade com o mar. Um homem, tatuado com o grafismo da legendária calçada dialoga com as gordurinhas de alguma passante que grita: “que se danem, eu estou viva!” E a septuagenária sorri com seus dedos pequenos e inadequados shorts cor-de-rosa. Copacabana, viveiro de mulheres sem idade, transformadas pelo sucesso de intervenções cirúrgicas, para quem os critérios de adequação, as faixas etárias, desapareceram junto com as rugas. Montadas em estampas de onça, caminham. 

“Be casual” é outro slogan copacabanense capturado por Marcelo. Pode-se tudo em Copacabana. Delicioso desleixo e seu contraponto elegante. A senhora, num chemise clássico, nos tons dos manuais franceses, fragmento de um tempo que se foi, antes almoçaria na filial da Colombo, na então chique Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Hoje, degusta um sanduíche em uma franquia de fast food. 

Aqui está mais vivo do que nunca o ditado “quem foi rei nunca perde a majestade”. 

Crochês e turbantes revelam velhotas intrigantes, cujos armários pararam no tempo. Vestidas com peças de quarenta anos atrás, a própria juventude de suas usuárias é perpetuada na paralisia do modelito eterno. Ridículo ou involuntariamente criativo?

Um ponto de vermelho explode: em uma cadeira de rodas, sentada, uma senhora e sua cachorrinha, em seu colo, irmanadas no vestir. Figura poética. Como aquela que o batom vermelho transborda no rosto crivado de vida – e por que não? As imagens do Marcelo reiteram um sonho, digamos, tropicalista, onde tudo pode ser divino e maravilhoso. 

Nesta exposição, somos convidados a nos retirar dos nossos próprios umbigos e a nos debruçar sobre o outro. 

Aqui, o que vale são as Figuras, seu impacto e sua despudorada humanidade. 

O selvagem urbano, selvagem na sua capacidade de se recriar, usando cores, peças de roupa que protegem e revelam, por exemplo, a alegria de um piercing de falso brilhante na barriga, tornando o lixão menos inóspito. A beleza da não-beleza, a beleza de um moranguinho, estampado em uma t-shirt, em um cenário de lixo. Unhas cuidadosamente desenhadas fazem do corpo o espaço do sonho. Bravas Figuras cuja força estética avaliza a transcendência do ato de catar lixo. Mulheres-maravilha dos restos da cidade. 

Figuras que se criam dentro do quadro de suas, muitas vezes, parcas possibilidades, reiterando a infinitude criativa do aparentemente limitado. 

Homem parangolé, homem estopa, homem do chapéu embrulhado em jornal. Os mendigos e suas digníssimas assemblages, cujos corpos são a própria casa-casulo, em um mix cujo resultado estético é surpreendente e inspirador. Uma indiana drapejada em cobertores? Tem o olhar patético e as roupas sujas, mas usa colares. Vetores simbólicos de proteção ou o deleite do enfeite que distrai o podre?

O corpo que tudo carrega, vestes que extrapolam o vestir, vestir que se coisifica em trecos, tralhas, em uma metáfora da vida. Serão essas sobreposições em parte aleatórias ou possuem também uma escolha, um critério de decisão? Quantas questões levantam as Figuras. 

E quantas vezes passamos por tudo isso e não nos detemos?

Figuras: a invenção de si revela o binômio do olhar e do ver de Marcelo e seu prazer de encontrar personagens nas ruas e se deparar com o imenso potencial de ficção do mundo real.

Pedinte vestida para pedir. Figurino adequado, pensado? Trabalhadores prontos para a ação: o engraxate, de sapatos, – ironia – calçado de tênis. Panfletar, vender, carregar. O dono do burro sem rabo flagrado com um guarda-sol japonês. Objetos inusitados que interrompem o cotidiano, poetizando a imagem antes prosaica. Senhores tão cientes de sua própria elegância que terminam por transformar o que poderia ser considerado como equívoco em um tremendo acerto pessoal. Transeuntes, religiosos, hábitos fazendo monges, estrangeiros e estranhos, todos navegantes do pulsar do Rio de Janeiro do século XXI.

Desfile antropológico de figuras repletas de história, que um dia serão, certamente, fontes de pesquisa para olhares do futuro, quem sabe, desvendarem o passado. 

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