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#39Yes, nós somos barrocosCulturaSociedade

Mirar o Brasil para além do sincretismo: o vasto horizonte de palavras e práticas

por Celso Francisco Gayoso

O Barroco brasileiro enquanto experiência estética tem na coexistência de elementos sagrados e profanos uma de suas características, a isso é atribuída a marca sincrética. Contudo, é importante frisar que foram indígenas catequizados e escravizados de África os artistas que, mais diretamente contribuíram para a singularidade do barroco colonial brasileiro. Apropriações estéticas e epistêmicas, foi assim, do assenhoramento desses saberes e práticas afroameríndias que se constituiu a expressão artística “genuinamente” brasileira.  É durante esse mesmo barroco que ocorrem um sem-número de experiências culturais e políticas: lundus, emboladas, congadas, dança do Chorado, catiras, as irmandades pretas, os quilombos.

De antemão, é preciso salientar que o sincretismo não é de uso exclusivo do campo das religiosidades, mas que estende-se genericamente ao campo da cultura.  Dito isto, faz-se necessário também revisitar o termo. A ideia de construção societária do Brasil sob o signo do sincretismo foi responsável pela naturalização de um conjuntos de violências simbólicas e, sobretudo, físicas. A marca colonial decalca indelevelmente corpos, saberes e mentes. Mãe Stella de Oxóssi, na década de 1980, estabeleceu uma ruptura com essa terminologia ao afirmar que o sincretismo não é mais necessário, reivindicando o protagonismo do candomblé, rompendo suas ligações compulsórias com o catolicismo. Em Afrografias da Memória, Leda Maria Martins, ao observar alguns folguedos de origem de povos sequestrados em África, chama a atenção para a insuficiência do sincretismo na apreensão dos elementos culturais moventes dos reinados negros e congadas. Importante frisar que tratam-se de duas mulheres pretas pensadoras falando sobre um mesmo fenômeno. É a partir dessas considerações que o sincretismo se bota numa encruzilhada, que faz o termo qualificar não apenas processos de domesticação, como problematização que enredam revides, contudo é preciso ir para além do termo. 

Notem que a ideia de sincretismo estabelece uma tentativa de nomear fenômenos tão distintos a partir de fora, sem permitir efetivamente que aqueles que os realizam possam dizer por si mesmos o nome de seus saberes e práticas. Mais do que um vocábulo designativo, é preciso compreender essas cosmo percepções que ocorrem no vasto território brasileiro, em suas complexidades e singularidades. É preciso desprender-se da sanha eurocentrada, colonial, oficial e pretensamente universal de dar nome a tudo, há coisas que sequer nome têm. 

Se há algo a ser dito, é que as diversas matrizes culturais do contexto brasileiro operam numa tríade ética/poética/estética mesmo sem conhecer esses conceitos tão ocidentais. Assim, vale ampliar o repertório de vocábulos, fazer uso do pretoguês de Lélia Gonzales, das oralituras de Leda Maria Martins, dos quartos de despejo de Carolina Maria de Jesus, do retorno à casa de Nêgo Bispo, de aquilombar-se como propõe Beatriz Nascimento, da reza de Doninha do Tanque Novo, das ervas da Jurema. O sincretismo cada vez se mostra insuficiente para apreender a complexidade dessas experiências que vão muito além da religiosidade, ou do plano da cultura e transcendem à existência desses corpos que foram historicamente invisibilizados, juntamente com seus afetos, memórias e saberes. 

Bel Santos Mayer, num exercício de chamamento a esses afetos-memórias-saberes, propõe uma retomada das ideias de colo, casa e quilombo como instâncias de mediação necessárias para fruição das complexidades dessas experiências. É nesse exercício meticuloso de observação-acolhimento de vários entes (vivos e não-vivos), que constituem uma prática que se é possível avançar para além da visualidade apresentada, daquilo que o olho consegue apenas enxergar. Os povos originários do Brasil e os sequestrados de África sempre souberam da importância do estar em comum, da comunidade, e diferentemente da subjetividade europeia, que atribui a si a condição de sujeito e tudo que lhe é diferente, o estatuto de objeto; ancestrais, a vegetação, as águas, os bichos, tudo isso é preciso para o funcionamento de uma comunidade. 

De tempos em tempos, expressões de pretensão totalizante tornam-se populares e estabelecem a agenda de discussão, especialmente no campo das artes, para além dos espaços acadêmicos. O mais recente talvez seja o tal “Brasil profundo”, termo raso que, geralmente é atribuído aos lugares em que o brasileiro sudestino (no masculino mesmo) desconhece e se espanta ao ver e ter que reconhecer sua potencialidade estética; na incapacidade de apreender a miríade complexa dessas tramas culturais, reduzem-nas a um termo que parece simpático, mas que, por meio de um ardil linguístico, operam uma lógica em que os dominantes obtém dos dominados o consentimento para sua dominação.

Há momentos em que é preciso descansar as palavras, deixar nossas outras sabenças falarem, inclusive aquelas que desconhecem o vocabulário formal. A Totonha de Marcelino Freire diz: “Pra mim, a melhor sabedoria é o olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tem linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?”. Também isso de entender parece uma empreitada colonial entre a fruição estética e a vivência cotidiana. O Brasil para além dos centros não prescinde de compreensão ou nomenclatura, tampouco de ser entendido. Esse Brasil existe e é potente à revelia da tentativa de classificação, assim sempre foi e assim permanece, acapoeirando seus modos de pensar e fazer, deixemos para lá quem não quer ser perturbado, no querer apenas existir na potência de ser. 

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