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Na sombra de folhas invisíveis, de Ana Paula Sirino.
#53MitosCultura

Estamos fartos de semideuses

por Helena Cunha Di Ciero

Há uma corrente invisível aprisionando o Prometeu contemporâneo: a conexão de wi-fi. Na busca pelo fogo do saber, estamos condenados. Hoje, o aprendizado passa mais pelas linhas de informação coletadas na rede virtual do que pelas redes de pesca da experiência. Não aprendemos a pescar, consumimos informações como quem se alimenta de peixes já pescados e digeridos por outros. 

Há algo de autêntico no pensamento do sujeito contemporâneo ou desaprendemos a pensar por conta própria? Nossa voracidade por informação estaria esvaziando nossa capacidade? Revelar é descobrir ou apenas cortar caminho?  

Não suportamos mais a espera. Falamos a língua da urgência. Recebemos um exame e jogamos o resultado no Google, e chegamos no médico cheios de falsas certezas. A dúvida, motor do conhecimento, se resolve num clique. Queremos receber os dados prontos, mas eles chegam requentados.  

Aceleramos as vozes de pessoas queridas nas gravações de áudio; não respeitamos seus registros vocais. Atropelamos recados, pois as pessoas não podem falar em seu próprio tempo, e sim adaptar-se ao nosso. A pornografia virtual torna o prazer dependente de uma cena gravada escolhida num cardápio infinito. Não há mais espaço para a fantasia e devaneios, que surgem da espera, do descanso. Fechar os olhos e imaginar… Para quê, se há uma máquina que cria por mim? O sugador de clitóris promete orgasmos rápidos, afinal, preliminares viraram perda de tempo. 

Em um artigo publicado no New York Times, Meirelle Scott destaca uma pesquisa: desde o lançamento do iPhone, a frequência sexual jovens caiu drasticamente. Além disso, adolescentes da geração Z priorizam segurança emocional extrema, evitando imprevistos e situações de exposição, o que, paradoxalmente, se torna quase uma pré-condição para o sexo. 

Apaixonar-se por acaso, numa trombada, sem um aplicativo que nos oriente e filtre preferências e alvos próximos, está em extinção. Não sabemos mais os caminhos pelas ruas de cabeça. Tampouco gravamos números de telefone, e saber o número de alguém de cor, antes, era sinal de intimidade -“de cor”, como diziam os gregos, aprendido pela corda do coração. Agora, quase nada passa pelo coração, pelo sonho, metáfora ou fantasia. A experiência emocional empobreceu. 

Estamos presos a um oráculo que nos decifra com prontidão, mas nos limita em nossa autonomia subjetiva. Como Édipo: cegos por termos visto demais, mais do que deveríamos. Andamos como zumbis pelas ruas, cabisbaixos, isolados num deserto de tártaros, marchando corcundas, cada vez mais sós, inundados por mensagens, mas, por outro lado, distantes de nossos silêncios, calando voluntariamente nossa intuição. Esquecemos de olhar para as estrelas, decifrar desenhos das nuvens, caminhar sem rumo, eventos que tanto nos constroem. 

Para aprendermos com a experiência, é preciso integrá-la. E, para que ela nos pertença, algum nível de desacomodação precisa ser computado. 

A caverna do mito de Platão, na qual estamos aprisionados hoje, mora em nossos bolsos. Vemos apenas recortes da realidade que chega editada, filtrada. Nosso Narciso contemporâneo está submerso nesse espelho de pixels que filtra nossa imagem, corrige seus contornos, apaga as rugas, devolvendo-nos uma versão idealizada de nós mesmos. Uma falsa promessa de um “eu ideal” passível de existência. Mas, ao acordar e olhar no espelho, nos reconhecemos? Ou, como Medusa, nossa imagem nos parece castigo? Nesse reflexo que sempre pode ser melhorado, perdemos a noção de quem somos. 

Almejamos apenas paraísos artificiais. Consumimos versões editadas de conhecimento que alimentam a ilusão de que é possível aprender sem ensaio, sem erro. Mas se como no mito do Éden, o conhecimento nos é oferecido tal qual um fruto, seria mesmo conhecimento ou apenas informação despejada, fruta já mordida? Aprender por Ctrl+C / Ctrl+V não é aprender, é copiar. 

Hoje a informação pousa com a leveza de uma borboleta em nossas telas. De tanto tentarmos roubar o fogo do saber para alimentar nosso eu vaidoso e faminto de onisciência, estamos emburrecendo. Desacostumados com o incômodo do não saber, nos iludimos com a falsa ideia de que saberemos tudo. Nosso anseio por sermos semideuses reduziu nossa capacidade de pensar por nós mesmos. Mas essa certeza antecipada esvazia nossa autonomia, pois nada mais é descoberto de forma independente: para tudo, consultamos uma máquina que checa e responde. 

Seguimos o destino de Ícaro que vai perto demais do sol do conhecimento derretendo as asas de sua liberdade. Afogados num caldo cultural indigesto, aprisionados numa pedra repleta de dados excessivos que não conseguimos decifrar.  

A escritora Rosa Montero, contou que suas crises de pânico se atenuaram com a escrita. Num de seus livros, se refere à imaginação como “a louca da casa”, ou seja, nosso aspecto criativo como sendo algo menos lúcido, menos coerente, mas que gera pensamento, combustão e combustível, dada sua potência criadora. Me pergunto se estamos renunciando a nossos aspectos menos lúcidos, e mais livres, vivendo a partir desses recortes de experiências.  

Na Mitologia grega no início, era tudo caos. Urano e Gaia viviam em coito incessante, até que, exausta, Gaia pede a Cronos que castre seu pai. O tempo, com sua foice, corta Urano, que sobe aos céus em um grito de dor. Suas lágrimas formam as estrelas, e os outros deuses do Cosmos finalmente emergem. 

Os gregos criaram mitos para entender o mundo e decifrar os mistérios de estar vivo. Talvez o mundo virtual seja uma alucinação que criamos para tentar domesticar os enigmas da vida. Contudo, somos hoje prisioneiros desse labirinto que geramos. E, como Sísifo, estamos empurrando uma pedra pesada demais, sempre em queda, oferecendo mais sombras do que luz. E não podemos esquecer das estrelas que nascem do caos. 

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