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Utopia e pão

por Léo Coutinho

Desenho de Sandra Cinto

A obsessão tem uma versão benigna chamada utopia. Cada um tem a sua, inclusive quando não tem nenhuma. A não utopia já é uma busca infinita. A não utopia é a perfeição, e esta, só no Paraíso, aquele que o Homem recusou. Dom Helder Câmara disse que “a utopia partilhada é a mola da história”, naquela linha do “sonho que se sonha junto é realidade”. É basicamente isso. A existência é a nossa realidade, que vamos temperando com o passar do tempo, das gerações, buscando viver melhor, ou simplesmente viver.

Um mundo melhor é o que todos queremos. O pepino é que cada um gosta de um jeito – para não falar daqueles que nem de pepino gostam. Pátria, religião, cultura e, em alguns – muitos – casos, futebol estão entre os livros de receita. Política é a mão do cozinheiro. E por “sal e pimenta a gosto” é que a guerra, a solidão, a peste, a miséria, a paz, o amor, a saúde e a riqueza acontecem.

Na vida, todos somos cozinheiros. Tem sempre alguém tomando as decisões na cozinha, é claro, mas todo mundo influencia o resultado do prato, inclusive aqueles que, por uma ou outra razão, não vão comer, até porque ninguém pode jantar satisfeito diante de um olhar faminto. Quem percebe e avisa que o pão está queimando pode desagradar o chefe, mas, além de comer bem, ainda será lembrado pela coragem e sabedoria. Aquele que nota o fogo alto demais e silencia vai comer queimado. São escolhas, e cada qual tem seu preço.

A primeira utopia é fazer o pão chegar a todos. Pode ser em porções diferentes, desde que não falte. Quando isso acontecer, as pessoas vão se acostumar e então, com a barriga cheia, a utopia será fazer um pão melhor, mais gostoso. É quando a turma pode se confundir e pensar que esse pão existe, transformando em utopia uma receita comum. Bobagem. Nossa utopia tem de ser pelo pão para todos, seja preto, branco, doce, salgado, denso, fofo, quente, frio, redondo, comprido, chato, alto, puro, recheado e até recusado.

O pão, como na utopia de Dom Helder, tem de ser partilhado. Só assim vira mola, bela viola, não enferruja, nem embolora. O pão individual é obsessão.