#13Qual é o seu legado?ArquiteturaDesign

Reconstrutores urbanos

por Sol Camacho

A cidade (em todas suas facetas e ângulos) é um tema de interesse atual, objeto de debates e discussões, questão prioritária na agenda de arquitetos e urbanistas, importante para universidades e pesquisadores em diferentes ramos, de diversas disciplinas. Nós, que nos dedicamos à arquitetura e à estreita relação dela com a forma da cidade, damos-lhe extensivas horas de trabalho, embora o que se discuta a respeito de urbanismo hoje, em escritórios, aulas e congressos, esteja totalmente desconectado da realidade da Cidade do México ou de São Paulo, os dois maiores e mais importantes centros urbanos da América Latina.

A imagem genérica da cidade – as ruas asfaltadas, as calçadas inacabadas, os postes de luz cheios de cabos, a mistura de prédios de diferentes épocas junto a postos de gasolina e paradas de ônibus… – é, aos olhos dos humanos do século XXI, a paisagem mais comum, o ambiente corriqueiro de 75% dos mexicanos e de 85% dos brasileiros.

Não precisamos conhecer as cifras para saber que, mais do que nunca, os humanos estão ligados às cidades. Nunca antes a relação entre homem e arquitetura foi tão próxima – contudo, os arquitetos têm escassa participação no planejamento e na construção das cidades. No caso da Cidade do México, 70% do que é edificado decorre de “autoconstrução”.

O pensamento vanguardista dos arquitetos, que marcou uma época importante do urbanismo na metade do século passado, ficou de fora nas ultimas décadas. Quem tem desenhado, decidido e construído a forma das cidades são a economia e o mercado sem intenção, a visão fragmentada dos governos, e nós, todos nós: com nossas escolhas de transporte, de habitação, de maneira de vida, de relacionamento com o entorno. Com cada escolha “fazemos cidade”. Somos milhões de “urbanistas” sem uma visão clara, sem uma agenda, sem informação.

Os métodos clássicos de planejamento urbano, de projetos top-down de traços livres em territórios vazios, não pertencem à nossa época. A visão do mercado e do governo já se provou insustentável.

Uma das funções mais importantes do arquiteto hoje consiste em gerar uma visão de cidade, em traçar e testar estratégias em longo prazo, em comunicar as possibilidades para forçar a sociedade a mudar de enfoque, a sair do comum, a acreditar em maneiras de vida novas, adequadas às realidades contemporâneas das metrópoles, a participar pró-ativamente na construção do território.

Certamente sabemos que este contexto vai mudar tanto quanto tem mudado nos últimos anos, numa velocidade cada vez maior. Irá mudar fisicamente, irá adaptar-se às novas realidades e às novas necessidades. E, sobretudo, irá mudar a maneira de se viver, de entender e de perceber a cidade, e a maneira de se relacionar com ela.

Há apenas cinquenta anos não havia megacidades, esses terrenos infinitos de construções que hoje formam parte da nossa paisagem cotidiana. Com a velocidade das mudanças nas dinâmicas de vida, é difícil propor (grandes) projetos urbanos em longo prazo. Os projetos feitos há trinta, quarenta ou há apenas dez anos parecem nos incomodar hoje. Ouvimos com frequência a palavra urbanismo ou a expressão urban design junto a termos como revitalização e remediação. Veneram-se, hoje, projetos que “reverteram” os grandes gestos acontecidos/construídos em outras décadas (como o caso do Big Dig, em Boston, ou do rio Cheonggyecheon, em Seoul, para citar alguns).

Os encarregados de manipular a cidade devem deixar de lado a construção de soluções imediatas e focar em construir uma base sólida de trabalho para testar cenários, possibilidades e ideias, e assim definir diretrizes adaptáveis a necessidades que hoje ainda não conhecemos. Arquitetos e urbanistas precisam se preocupar menos em fazer design e mais em desenhar e consolidar estratégias para que outros, num futuro próximo ou mais distante, atuem na cidade de maneira mais responsável; para garantir que os projetos de nossa geração continuem funcionando no futuro e o urbanismo deixe de ser uma ferramenta de conserto ou remediação.

Com estas ideias surgiu a iniciativa de criar uma plataforma de pesquisa para testar cenários de crescimento na megametrópole da Cidade do México: minha cidade natal.

Difícil falar de crescimento em uma cidade que já se expande em todas as direções, para além da linha do horizonte. Uma mancha urbana que já invade todos os rios, lagos e lagoas, toda a bacia geográfica e as montanhas. Só resta a possibilidade de crescer na vertical? Mas, para onde?

Existem, inseridos no “tecido urbano” da cidade, 45 “nós”, ou “centros de transferência multimodal”, mais conhecidos como paraderos.

Esses pontos são mais do que nós na infraestrutura de transporte; são uma mega-aglomeração de todo tipo de veículo, de construções e infraestrutura (a maioria obsoleta), de edifícios, pessoas, comércios; um improviso; um ajuntamento de rotinas, uma concentração de problemas… e de oportunidades.

A oportunidade se dá porque estes nós representam uma rede de áreas já ligadas diretamente às artérias infraestruturais mais importantes da cidade, como também ao transporte público, pelo qual circulam, todos os dias, mais de 25% da população da megalópole.

A proposta do estudo foi analisar a integração total da infraestrutura de transporte público existente com o crescimento da cidade, levando em consideração os paraderos, “terrenos” para a construção de novos tipos de edifícios, novas configurações urbanas, novas maneiras de participação, e a cooperação entre os setores público e privado.

O estudo sugere um tipo de planejamento que é possível realizar ao longo dos anos, algo que deixe diretrizes para futuras gerações integrarem maneiras diferentes de construir, formas inovadoras de morar, trabalhar, divertir-se, projetos pontuais a serem desenvolvidos por diversas pessoas. A viabilidade do estudo precisa da participação ativa e consciente de quem mora nas cidades.

Se estamos certos de que a maioria desta e das futuras gerações – pelo menos até onde conseguimos enxergar – passará grande parte da vida em um contexto urbano, então acredito que estamos ficando sem opções: precisamos tomar consciência, divulgar as ideias, decidir a direção, apoiar projetos além de nossos interesses individuais, tentar deixar de usar carros para a rotina diária, morar e trabalhar perto dos centros de transporte, usar e respeitar o uso de bicicletas, permitir novos usos perto ou dentro dos centros de transporte, investir em pensamento e qualidade de desenho de cidade. Não será fácil, mas será uma solução melhor, mais sustentável e mais barata – em todos sentidos – para as futuras gerações.