A criança colonizada muitas vezes é alienada de seu direito ao show de narcisismo. As pinturas de Arjan Martins mostram a dimensão trágica da sociedade do espetáculo. O corpo da criança afogada, que buscava se refugiar nas terras estrangeiras com a família – uma imagem que circulou pelos veículos de imprensa internacionais –, é mesclada às representações de instrumentos de navegação e coroas que simbolizam cinicamente o imperialismo do qual a tradição da pintura evocada por Arjan se origina. Desde Michelangelo, os Juízos finais não são meramente sobre injustiça, vingança e crueldade divinas, mas sobre a beleza das formas pictóricas em meio ao sofrimento.
Na pintura de Arjan, por vezes o horror é sublimado pelo azul de inspiração sistiniana, que salta do fundo da pintura para seduzir e deleitar o espectador. A menina cuja mão está enfiada na boca reaparece em inúmeras pinturas e foi inspirada na fotografia de Sepp Werkmeister, que originalmente não possui ares tenebrosos. Mas, dada a violência da pintura do artista e a inserção dos mapas que remontam ao colonialismo, esse retrato da criança negra passa a afirmar e expressar a crueldade de seu apagamento histórico. Já a criança refugiada morta tem nome –– Aylan ––, mas se torna conhecida só após sua morte trágica, produzida pela aterrorizante Necropolítica. O mundo as fez assim – apagadas, anônimas ou tragicamente célebres. A pintura de Arjan se impõe a tarefa, entre outras, de lutar contra o apagamento do artista negro ao longo da história. As crianças pintadas por Arjan já não podem ser mais salvas; resta a ele assumir a persona de herói negro da pintura para inspirar romanticamente outros artistas para que venham lutar contra o apagamento, a colonização, a mercantilização e/ou a cooptação pelo capital.
Obras de Arjan Martins, incluindo pinturas da série O Estrangeiro