O virtual que me interessa é aquele que funde tempos: o passado é a presença virtual da ancestralidade, da memória, dos traumas, enquanto o futuro é a presença virtual da possibilidade. O sonho, o delírio, a imaginação, a relação com os mortos, tudo isso é virtualidade — onde se encontram passados e futuros remotos. Minhas pinturas, vídeos, trabalhos digitais, projetos urbanísticos, todos têm a ver com isso. Andar para a frente e para trás, simultaneamente, é um modo de driblar as armadilhas do aceleracionismo, por um lado, e do reacionarismo, por outro.
Meu dia a dia consiste em circular por um conjunto de afazeres, como pintar, escrever, editar, projetar. Tento adensar a relação com essas práticas para que elas me conduzam ao seu jeito próprio de falar.
Nesta exposição, mostrei três projetos urbanísticos para locais específicos: no local do Monumento às Bandeiras, proponho reviver a várzea que foi drenada na região do Ibirapuera, para que o monstro de granito seja aos poucos engolido, corroído, atolado. Nos arredores de Canudos, o projeto é de um cinema abaixo da terra, que digere e apresenta imagens sempre atualizadas de fogo em espaço público mineradas da internet. E no estádio do Maracanã proponho a criação de uma fogueira anual no interior da sua carcaça. Queria que esses trabalhos conseguissem criar uma frestinha de outro mundo: um relance imaginativo do futuro, uma ressonância fantasmagórica do passado.
Havia também um grupo de pinturas. Elas são uma tentativa de dar forma a um mal-estar. Que não é só meu, nem é só mal. Mas que baita mal-estar! São pinturas de grupo, habitadas por figuras condoídas, arrebatadas, indignadas, alegres, desgostosas, expostas, enojadas, excitadas, confinadas, amassadas, companheiras, carinhosas, dispostas, eufóricas e reflexivas; em transe, vivas e mortas, realistas, imaginativas, pragmáticas, delirantes, assombradas, bestificadas, eloquentes, solidárias. Há erotismo, mas não sempre; há alegria, há morte, mas não sempre; há cuidado, carinho, solidão; há de tudo. Uma dor difusa, mas também esperança e prazer.
Arte é coisa que se faz junto e sozinho, ao mesmo tempo. A mostra incluiu parcerias com artistas que amo, porque me sujam: com C.L.U.B.E, fiz os bancos, para que as pessoas sentassem; com Darks Miranda foram montados os vídeos do Maracanã e do Ibirapuera; com Raphaela Melsohn, esculturas de cerâmica pintadas, parte de uma colaboração contínua; e com Rudá Babau fiz um audioguia, disponível aqui: memoriademuitos.com
De ontem para hoje já era amanhã
por Pedro França