Minha liberdade impropriamente dita se perdeu no meio do discurso. A caminho do real, cruzou o virtual e parou no tempo. Eu, perdido no espaço, já não dava a mínima para ela, que já não era aquela. Assim, deixei que ficasse para trás a boa ideia que tinha sobre o assunto. Cansado de procurá-la, sufocado por sua aparência forjada, me dei por vencido e dormi o sono dos presos – reticente e perturbado.
Tiraram de mim o que era nato e inexorável, ou talvez tenha sido eu que abri mão de ser livre por medo do acaso. Sei ao certo que já estive solto uma vez e era alto o que via lá de cima, maior que o próprio mundo em si. Me restam dúvidas se fiz a escolha certa, ao mesmo tempo não sei se tive outra opção.
O que tenho agora, ou o que sobrou por ora, é uma liberdade genérica – talvez placebo. É de efeito moral o que nos permitiram viver, não é sensação por assim dizer, por bem sentir. Tão pouco tudo isso, quase nada, é um ir e vir cheio de amarras sob os olhos atentos de quem eu sequer dei liberdade para vigiar.
Estamos acobertados por nuvens que pairam baixas sobre as cabeças, que, se não seguem a mesma sentença, hão de rolar ladeira abaixo, pedra sobre pedra, de sapato em sapato. Vingo-me deles acreditando que, sim, o que tenho é o que posso ser: livre até a contracapa, até que traduzam minha biografia autorizada, afinal permito que vejam minhas fotos, que me sigam online, que saibam onde estou, a quantos metros de quem, há quantos minutos offline e, claro, com quem ando e de quem digo o que penso.
A mesma liberdade que me deram para falar e escrever como quem finge não querer nada foi estendida a todos, para alívio seu. Ou então de que outra maneira teríamos atores ruins, curadores mirins, jornalistas chinfrins, militantes e afins? Isso sim é ser livre, sempre livre. Absorvente.
Minha liberdade só pode ser aquela que larguei no passado: seria pesado demais seguir adiante com ela, dada a sua grandiosidade original, que só crianças e loucos suportam ou tem permissão de carregar. A de agora não é exatamente leve, no máximo leviana. E cheia de moral – em nome dos bons costumes. Os meus são da pior cepa, tão libertinos que tornaram-se vícios. O maior deles? Experimentar no limite do equívoco, à beira do ridículo.
Minha liberdade é tão amoral que só engorda e faz crescer os olhos de quem vê. Mas o tema é livre, não se prendam por mim.
Tema livre
por Hermés Galvão